O debate de Porto Alegre

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Publicado quinta-feira, 8 de julho de 2004 as 12:00, por: CdB

O primeiro debate na TV entre os candidatos à prefeitura de Porto Alegre mostrou que as eleições municipais de outubro serão um teste de fogo para o PT e a Frente Popular, que governam a capital gaúcha há 16 anos.

Neste período, Porto Alegre navegou contra a maré neoliberal que tomou conta do país, concentrada especialmente nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso. E foi justamente navegando contra a maré e apostando no fortalecimento da democracia e do espaço público, contra a lógica da privatização da economia, do Estado e da política, que Porto Alegre se tornou uma referência mundial não só para a esquerda, mas para todos os setores que, de algum modo, tentaram resistir à hegemonia avassaladora do pensamento único alavancado por Ronald Reagan, Margaret Tatcher e grande elenco. Em vários aspectos, Porto Alegre tornou-se uma espécie de trincheira de resistência a essas políticas. De resistência e de criação de alternativas, que têm no Orçamento Participativo, na valorização do público e em um conjunto de políticas de inclusão social seus principais símbolos.

A força desses símbolos e dessas políticas se materializaram no Fórum Social Mundial que transformou Porto Alegre na capital do movimento internacional de resistência à globalização financeira e de construção de alternativas a ela. Tudo isso não é pouca coisa, mas não significa, porém, uma condição suficiente para assegurar o quinto mandato consecutivo da Administração Popular na capital gaúcha. O desafio é como transformar esse símbolo e essa história em uma linguagem adequada à campanha eleitoral.

O debate realizado na manhã de 1° de julho na RBS TV expôs toda a dimensão desse desafio. Sete candidatos de um lado, Raul Pont defendendo o patrimônio e as conquistas de 16 anos, de outro, seis candidatos oposicionistas que procuraram transformar a capital do Fórum Social Mundial em uma cidade onde a água ruim afugenta os turistas, onde a população não pode andar nas ruas pelo problema da insegurança, onde as crianças não aprendem na escola e a população mais pobre morre nas filas esperando atendimento médico. O retrato do caos, em resumo. Tudo isso embalado no formato pasteurizado dos debates televisivos, onde cada candidato tem que espremer suas respostas em um minuto, um minuto e meio. Não é, propriamente, um espaço de algo que possa ser chamado de espaço público, mas sim do espetáculo.

Experiência e diluição da memória

Porto Alegre é a capital com os melhores indicadores de qualidade de vida do país. O que não quer dizer que não tenha problemas típicos e sérios de qualquer grande cidade de um país que não cresce verdadeiramente há cerca de 20 anos, dentre os quais, os últimos dez consagrados ao desmonte do Estado Nacional. Não falta munição, portanto, para disparar em várias direções. Não falta terreno para semear promessas demagógicas (aumento significativo de serviços públicos com congelamento e redução de impostos) e para diluir a memória e a história em um caldo de hipocrisia e esquecimento.

Dos seis candidatos que tentam derrotar Raul Pont, quatro deles participaram diretamente da base de sustentação do governo Fernando Henrique – Onyx Lorenzoni (PFL), Jair Soares (PP), José Fogaça (hoje PPS, na época PMDB) e Mendes Ribeiro (PMDB). O sucesso da Frente Popular em Porto Alegre, reconhecido pela população da cidade nas últimas quatro eleições, foi construído na direção contrária das políticas defendidas por esses candidatos em um passado ainda muito recente.

É justamente aqui que entra o tema da diluição da memória e da história na hipocrisia e no esquecimento. No debate na RBS TV, todos falaram dos problemas de Porto Alegre como se não tivessem nada a ver com o processo de desmantelamento do setor público, de dilaceração do mundo do trabalho e de financeirização da vida. Falaram de crianças abandonadas, de crianças sem assistência médica, de homens e mulheres sem saúde, de trabalhadores sem