Retorno à Federação

Arquivado em: Arquivo CDB
Publicado segunda-feira, 22 de março de 2004 as 10:10, por: CdB

Todas as crises políticas dos últimos anos têm a sua origem objetiva na demasiada concentração do poder em Brasília. Os governos militares acabaram com a autonomia política dos Estados, e os dois Fernandos, Collor e Henrique, conduzidos pela coleira pelos tecnocratas da capital da República, liquidaram a sua autonomia orçamentária. Em seguida, os tecnocratas passaram a minar a autoridade dos governadores, mediante a distribuição direta de recursos aos prefeitos. No aeroporto de Brasília, um cartaz de boas-vindas aos prefeitos que se reuniram na capital nestes dias tinha a inscrição emblemática: “Governo Federal e prefeitos unidos”. Esse “entendimento” direto, entre os burocratas dos ministérios e os prefeitos, isola politicamente os governadores: os deputados federais, em Brasília, passam por cima de sua autoridade, negociando recursos para os municípios em troca de votos parlamentares, como todos sabem.

Ao se concentrar o poder na União, concentra-se a pressão política sobre os ministros e o presidente da República. A dependência financeira dos Estados e Municípios é também recente. Até mesmo durante o Estado Novo, Estados e Municípios viviam de seus próprios recursos e estavam impedidos de ser socorridos pela União, a não ser em momentos de emergência, como as secas e as inundações. Isso não os impedia de obter recursos extratributários, mediante a emissão de títulos de sua responsabilidade e a contratação de crédito junto aos bancos estaduais e ao Banco do Brasil. Todos dispunham de bancos oficiais, e não há notícia de que qualquer um desses bancos (o governo de Minas, por exemplo, controlava três bancos e uma Caixa Econômica) tenha ido à falência. A crise de liquidez dos bancos estaduais foi conseqüência direta da concentração tributária na União, que, ao levar os Estados à falência, arrastou os bancos que financiavam os governos estaduais em suas obrigações inadiáveis, entre elas o pagamento do funcionalismo.

Há, ainda, um efeito lateral perverso nessa concentração. Até o governo Collor, o serviço público de base, em Brasília, era exercido por funcionários vindos de fora, principalmente do Rio e de São Paulo. Esses servidores foram paulatinamente sendo aposentados e substituídos por outros, também requisitados dos Estados. Ao vender os apartamentos funcionais, Collor tornou praticamente impossível a vinda de servidores qualificados de outros Estados. Os aluguéis em Brasília são os mais altos do Brasil. Como resultado, a qualidade do funcionalismo público caiu pesadamente. Não é por acaso que homens apontados como “operadores”, como Waldomiro Diniz e outros, sejam goianos. Isso não significa que Goiânia seja um berço de lobistas e peculatários, posto que figuras da mais alta expressão moral nasceram naquela cidade, e que pilantras nasçam em toda a parte. Mostra, no entanto, que crescente proporção dos funcionários públicos de Brasília vem sendo recrutada nas proximidades da capital – e não no Brasil como um todo, o que seria melhor para o país. No passado, o funcionalismo do governo federal, no Rio de Janeiro, procedia de todos os Estados, como, de resto, ocorria nas duas primeiras décadas da existência de Brasília.

A distribuição racional do poder, com a assunção, pelos Estados e pelos Municípios, de todo o poder que possam exercer, é o caminho lógico para a estabilidade política e o desenvolvimento econômico do país.

Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de redação do Última Hora (1959), correspondente do Jornal do Brasil na Tchecoslováquia (1968 a 1970) e na Alemanha (1970 a 1973) e diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Minas Gerais (1978 a 1982). Publicou, entre outros, “Mar Negro” (2002).