Sete de Setembro sinaliza para volta da harmonia e comemoração

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Publicado quinta-feira, 7 de setembro de 2023 as 10:43, por: CdB

A reformulação da doutrina também é apontada por Makrakis e Oliveira como essencial para redesenhar o papel que as Forças Armadas devem cumprir no Estado.

Por Redação, com ABr – de Brasília

A decisão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de colocar como tema da semana da Pátria o slogan Democracia, Soberania e União sinaliza para a volta da principal data comemorativa à temática republicana e para a harmonia, após a mudança no perfil do desfile nos últimos anos, quando a celebração do 7 de Setembro foi usada politicamente pelo então presidente Jair Bolsonaro para ameaçar instituições democráticas. A opinião é de especialistas ouvidos pela Agência Brasil.

Slogan deste ano é Democracia, Soberania e União

Para o professor Heraldo Makrakis, pós-doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, o governo acertou ao escolher um tema que reforça o sentido de democracia.

– Todo ato cívico tem seu cunho político, no entanto, ele deve ser realizado de forma protocolar, como todo ato de governo. O que parece diferenciar a proposta atual das as anteriores, fazendo alusão ao governo Jair Bolsonaro, é que o tema dado de antemão indica ser mais republicano, porque tem um tema representando preâmbulo constitucional e não grandes discursos sobre pátria, família e Deus que são temáticas sem vínculo com um ponto protocolar da Constituição.

O professor diz ainda que o ex-presidente usava o espaço institucional em seu benefício, alimentando a retórica de que as Forças Armadas estavam subordinadas a ele, não ao cargo que ocupava, e para atacar adversários.

– Isso é uma retórica para o seu público e foi feita, no meu entendimento, de uma forma desconcertante. Se de um lado ele afirmava que jogava dentro das quatro linhas da Constituição Federal, do outro utilizava o palanque e o momento cívico-político, que deveria ser protocolar, para destratar autoridades. Não me parece adequado e nada protocolar – pontuou.

Ênfase na democracia

O pesquisador do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, que conta com pesquisadores do Brasil, Argentina e Índia, e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) Ananias Oliveira tem avaliação similar. Oliveira que pesquisa sobre militares, democracia e política, disse à Agência Brasil que a temática consolida a ideia de respeito e democracia.

– A temática escolhida para 7 de Setembro é muito interessante porque dá ênfase à democracia, à soberania e à união, ou seja, o entendimento de paz e de respeito e também à soberania – afirmou.

– A gente tem que entender que há uma concepção de democracia nossa, da sociedade civil, e a dos militares e isso tem que ser trabalhado. Esse distanciamento tem que ser feito. O que o Bolsonaro fazia era atentar contra a democracia em um dia que era para inspirar a Democracia – completou Oliveira que apontou ainda que as ações do ex-presidente contavam com “anuência e apoio dos militares ou de militares de alta patente, das cúpulas hierárquicas”.

Oliveira considera ainda que, ao desdobrar o desfile em quatro eixos temáticos, Paz e Soberania, Ciência e Tecnologia, Saúde e Vacinação e Defesa da Amazônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma importante contraposição ao governo anterior, mostrando o que é “viver na democracia”.

– Acho importante o Lula fazer isso em contraposição ao que foi o desastroso governo do Bolsonaro. E essa contraposição é essencial para mostrarmos como é viver na democracia, para mostrar como é viver sem estar em estado de guerra, porque, antes, a população era sempre atacada. O que Lula faz com isso é trazer uma ideia de paz, de harmonia, entre os entes, a sociedade – afirmou.

Doutrina militar

O historiador e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Aarão Reis considera que o tema é importante, ainda mais considerando os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, que contaram com a participação de militares.

– Certamente, vamos ter uma atmosfera diferente da que prevalecia durante o governo Bolsonaro. Mas ainda penso que, no que diz respeito aos militares, a democracia brasileira precisa avançar muito no sentido de fazer com que os militares e a sociedade passem a considerar os fardados como funcionários públicos fardados, nada menos, nada mais do que isso. A ideia dos militares como anjos tutelares da República enraizou-se muito e será um trabalho de fôlego reverter isso – disse Reis à Agência Brasil.

Para o historiador, o Brasil ainda conviverá com a sombra da tutela ou do golpismo militar enquanto a formação dos integrantes das Forças Armadas não passar por uma profunda reformulação da doutrina, ainda baseada nos resquícios da guerra fria e na ideia do “inimigo interno”.

– Precisamos começar pela reformatação dos currículos militares, condicionados ainda, em grande medida, pela cultura da guerra fria e de suas atualizações: guerra híbrida, etc. A chave de tudo encontra-se na formação dos militares, a começar pelas Agulhas Negras e pelas demais escolas de formação de oficiais. Eles são ensinados a manter esta tradição de anjos tutelares. Enquanto isso não mudar, a república democrática não se consolida – disse.

A reformulação da doutrina também é apontada por Makrakis e Oliveira como essencial para redesenhar o papel que as Forças Armadas devem cumprir no Estado.

– Há um entendimento orgânico para o comportamento dos militares e, nos meus ensaios, ele se deve muito às doutrinas militares, como a doutrina da guerra da quarta geração (em que o inimigo não é necessariamente outra nação, podendo ser um grupo terrorista ou organizações criminosas), e ao gerencialismo, doutrinas que, para os militares, é a realidade revelada. Então a questão é: se está na doutrina, o militar não questiona. Se está na doutrina e alguém vai dar uma palestra de que os militares são um poder moderador, ele ‘firmou doutrina’, como se diz, e isso vai fazer parte do sistema de doutrina dos militares e eles jamais vão questionar esses pontos – refletiu Makrakis.

Oliveira aponta que o pensamento militar é condicionado para que eles se vejam como tutores da democracia, uma construção que vem desde a proclamação da República.

– O problema é que eles entendem que tem que participar quase como um quarto poder ou como um poder de tutela no projeto nacional, no projeto de país – disse Oliveira.

– Temos que mudar a compreensão de defesa, a ideia de defesa nacional para que o lugar dos militares seja bem específico: eles são técnicos, são operacionais. Eles têm que participar ativamente e intelectualmente da concepção de parte da estratégia de defesa nacional, mas a estratégia de defesa nacional, programa, projeto de nação, são elementos do governo civil, do estado civil. Eles são a parte técnica operacional da defesa – afirmou.

Para o pesquisador essa mudança passa pela reformulação do currículo e das escolas de formação, como a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman).

– Isso envolve reformular currículo da Aman, plano de estratégia de defesa com participação da sociedade civil e desmilitarizar o estado, especialmente o Ministério da Defesa. Ele é um órgão civil, mas boa parte dos cargos ainda são de militares na alta cúpula – disse.

– A gente tem que recolocar ou colocar as Forças Armadas dentro do papel institucional que lhes cabe, mas que foi sendo precarizado nas relações entre o governo civil e os militares ao longo dos últimos anos. Quando (o ex-presidente) Michel Temer nomeia para a Defesa um general (Joaquim Silva e Luna) ele desvirtua, ataca a democracia, as instituições democráticas, porque o Ministério da Defesa é uma forma de controle civil das Forças Armadas – concluiu Oliveira.

Atos antidemocráticos

Uma das consequências dessa politização das Forças Armadas pode ser observada, segundo Oliveira, no comportamento dos militares em relação aos acampamentos em frente aos quartéis e nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, que contaram com a participação ativa de militares.

– As Forças Armadas foram negligentes de maneira proposital com os acampamentos. Acredito que o Exército não esperava um evento daquele porte, acho que eles previam que poderia acontecer alguma coisa, mas não daquele porte e daquela maneira e ficou claro que eles acobertaram os golpistas. Eles acobertaram, participaram ativamente porque protegeram e isso fez com que a sociedade percebesse eles como participantes daquele 8 de janeiro, principalmente o Exército. As cúpulas hierárquicas tentam negar, mas o fato é que deixaram terroristas em frente aos quartéis e não fizeram nada para tirá-los de lá – afirmou.

Para Makrakis é preciso que a sociedade compreenda que o controle civil sobre as Forças Armadas é um mecanismo adotado em democracias modernas.

– As carreiras que são típicas de estado (como os militares), por essas particularidades, possuem um estatuto próprio que tem que ter mecanismos para serrem fiscalizados. Nas nações democráticas em que existe o conceito de controle civil sobre as forças militares, isso não significa civil dando ordem para os militares, isso implica justamente mecanismos para verificar se há as politicas publicas que incluem o cumprimento desse estatuto estão sendo seguidas – disse.

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