60 anos do suicídio de Getúlio Vargas

Arquivado em: Arquivo CDB
Publicado domingo, 24 de agosto de 2014 as 15:00, por: CdB
Colunista conta como alguns militares, por ela entrevistados, viveram a época do suicídio de Vargas
Colunista conta como alguns militares, por ela entrevistados, viveram a época do suicídio de Vargas

 Para marcar os 60 anos do suicídio de Getúlio Vargas, completados neste domingo, 24 de agosto, selecionei trechos de entrevistas que fiz para o meu livro “O problema é ter medo do medo – O que o medo da ditadura tem a dizer à democracia”, a ser lançado em 2015. O livro, que conta com diversas entrevistas, trata do regime militar que se instalou em 64 e de seus resquícios no presente, porém muitos dos entrevistados, em especial os militares legalistas, privaram do convívio com Getúlio. A seguir, conto um pouco das lembranças que eles trazem.

 O Getúlio da 2ª Guerra

Falecido em 2013, o major-brigadeiro Rui Moreira Lima, então com 94 anos, morreu em agosto, como Getúlio Vargas. Na entrevista que me concedeu, dois anos antes de falecer, lembrou que, na época da 2ª Guerra (Estado Novo), “Vargas governava cercado por nazistas, homens ditatoriais que não queriam passar o mando a ninguém”.

“A UDN nunca conseguiu nada no voto”

A conjuntura política pós o período do Estado Novo até o suicídio de Getúlio foi resumida por Moreira Lima da seguinte maneira: “Getúlio foi eleito senador (em 1946). E depois? ‘Bota o retrato do velho outra vez’. O Getúlio assumiu democraticamente como presidente em 51. Então, veio a morte do garoto Rubens Vaz”. Vaz era major-aviador e foi vítima de atentado contra o líder oposicionista Carlos Lacerda (UDN) na Rua Tonelero, em 1954. O atentado ocorreu dias antes do suicídio de Vargas e hoje Vaz dá nome a um túnel em Copacabana. O major era colega de Moreira Lima. “Dei instrução para a turma dele”, lembrou. E prosseguiu: “Quer dizer, a verdade é que a UDN nunca conseguiu nada no voto”.

A difamação de Getúlio

O atentado da Rua Tonelero aconteceu no mesmo ano em que Fernando de Santa Rosa, capitão de mar e guerra reformado, que entrevistei em 2011, fez o “juramento da bandeira” na Escola Naval.“Getúlio esteve lá (no dia do juramento), mas não deixaram a guarda dele entrar junto. Foram os aspirantes da Escola que fizeram a segurança para continuar com as agressões ao presidente da República. Isso foi em 11 de Junho, recebi meu espadim. Depois que Getúlio se suicidou, a 1ª coisa que o comandante da Escola Naval fez foi reunir o corpo de aspirantes e dizer que a carta-testamento era mentirosa”.

Sobre Carlos Lacerda, o líder golpista de 64, Santa Rosa recorda-se do baixo nível da oposição que ele fazia. “Lacerda chamava Alzirinha, filha de Getúlio, de prostituta para baixo e a acusava de promover bacanais em Paris”.

Getúlio e o nacionalismo de esquerda

Luiz Carlos Souza Moreira, capitão de mar e guerra reformado, que, assim como Santa Rosa e Moreira Lima, foi cassado em 64 por se posicionar contra o golpe, fez questão de frisar, na entrevista que me concedeu neste ano de 2014, que a luta dos militares nacionalistas de esquerda vem dos tempos de Getúlio:

“Essa nossa posição começou a ficar muito clara nas Forças Armadas após a campanha que a UDN, a direita, fez contra o Getúlio. Querendo ou não, o Getúlio tem dois momentos. Tem o momento do Getúlio ditador e tem o Getúlio pós-guerra, em que ele resolveu empreender transformações nesse país, que levassem o Brasil não a ficar atrelado aos interesses do capitalismo dos EUA, mas, sim, ele pensou em criar uma política industrial para este país, diferente daqueles que achavam que a gente tinha que ficar na dependência com os americanos. Ele queria a implantação de uma política industrial brasileira, nacional, que servisse aos interesses do país. Por conta disso e contra isso surgiram as lutas de Lacerda, da UDN, da direita militar, todos contra a luta do Petróleo, por exemplo. Sempre afinados com os EUA”.

“Quando o Getúlio se candidata em 1950 quem é que a direita põe para se confrontar com ele? O Brigadeiro Eduardo Gomes, que levou uma sova, uma surra daquelas. A UDN foi derrotada novamente. A partir de 50 eles vinham perdendo eleição. Perdendo, perdendo, perdendo. Tentaram de tudo para romper com a ordem democrática. Mas isso nunca valeu para nós. Quer chegar ao poder? Tem que disputar eleição! Não é com a mão cheia que vai tomar o poder. Sempre tivemos o compromisso de defender aqueles que estivessem lutando pela manutenção das leis. E é importante dizer que os integralistas militares vêm desde a ditadura de Getúlio. Foi uma corrente que remanesceu nas Forças Armadas”.

“Após a morte do Getúlio, o povo foi às ruas numa apoteose que calou a boca da direita. Mas por pouco tempo. E acho até hoje que a morte do Major Rubens Vaz foi uma coisa forjada, arquitetada para criar um fato político de repercussão. E depois ainda disseram que quem mandou matar foi o Gregório (Fortunato, chefe da guarda de Getúlio). O Gregório era um servidor, um cão fiel obediente, que morria pelo Getúlio. Mandava matar. Mandava matar o quê? Ele não tinha nem como se inserir num contexto onde só tinha medalhões, pessoas espertas, intelectuais, inclusive, que estavam já há muito conspirando”, conclui Luiz Carlos.

Em São Borja com Getúlio

Já Paulo Mello Bastos, tenente-coronel reformado, que foi piloto de João Goulart e líder sindical destacado, relembrou, na entrevista que me concedeu em 2012, que “quando Getúlio estava no poder (décadas de 30 e 40), havia fazendeiros paraguaios com suas terras dentro do Brasil. Dois terços do Exército brasileiro eram aquartelados no sul. Então, Getúlio criou a ‘Marcha para o Oeste’. Começou devolvendo todos os troféus que o Brasil tinha ganhado na Guerra do Paraguai. Um gesto simpático para que as fronteiras fossem bem definidas. Eu fazia correio aéreo (pela Aeronáutica), de norte a sul, por todas as áreas fronteiriças, e ajudei nessa definição”.

Ele conheceu Getúlio Vargas na intimidade de sua fazenda em São Borja (RS): “Fui lá (no final da década de 40), com uma comitiva, para convencê-lo a se candidatar em 50, já que não tinham cassado os seus direitos políticos, e a criar Petrobras. Ele lá com seu ‘charutão’… Aceitou, elegeu-se e criamos a Petrobras”.

‘Já que os senhores não se decidem, decido eu’

Mello Bastos relembrou ainda os acontecimentos do dia do suicídio do presidente: “Ele (Getúlio) havia chamado os generais para o Catete, para discutir a situação do Brasil perante o mundo, as conspirações, os golpes… Só um, o Brigadeiro Epaminondas, ministro da Aeronáutica, se definiu a favor de Getúlio. Os outros ficaram calados. Disse Getúlio: ‘Já que os senhores não se decidem, decido eu’. Saiu da reunião, subiu para o quarto, deu um tiro no coração e morreu”.

Ana Helena Tavares, jornalista, conhecida por seu site de jornalismo político Quem tem medo da democracia?, com artigos publicados no Observatório da Imprensa e na extinta revista eletrônica Médio Paraíba. Foi assessora de imprensa e repórter dos Sindicatos dos Policiais Civis e dos Vigilantes. Universitária, entrevistou numerosas pessoas que resistiram à ditadura e seus relatos (alguns publicados na Carta Capital e Brasil de Fato serão publicados brevemente num livro.

Direto da Redação é editado pelo jornalista Rui Martins.