Às pressas, a assinatura do tratado ocorreu após a chegada de Temer ao Palácio do Planalto. Seguiu no bojo do golpe de Estado, em curso no país
Por Redação, com agências internacionais - de Brasília, Buenos Aires, Londres e Washington
O tratado militar assinado entre o Brasil e os Estados Unidos, sem muito alarde, na semana passada, pavimenta a estrada para que o Reino Unido se junte ao clube que espera extrair novas riquezas da república sul-americana. O secretário britânico de Negócios Internacionais, Liam Fox, concilia sua agenda com seus equivalentes brasileiros. Visam uma rodada de conversas sobre a indústria bélica brasileira. O encontro segue sem data confirmada no Itamaraty, como constatou a reportagem do Correio do Brasil.
Diante dos documentos com a assinatura de Raul Jungmann, atual ocupante do Ministério da Defesa, há espaço para os norte-americanos e seu principal aliado. Os britânicos se preparam para deixar a União Europeia (Brexit) e buscam novos mercados.
Na última quarta-feira, Brasil e EUA fecharam acordo para venda de equipamentos norte-americanos para as Forças Armadas. A medida não requer aprovação do Congresso. Por esta modalidade de entendimento, basta que o governo do presidente de facto, Michel Temer, concorde com a abertura de mercado para a indústria bélica norte-americana.
Base de Alcântara
Trata-se, segundo a rede norte-americana de comunicação Bloomberg, “do maior sinal, até agora, de mudança na política externa da maior economia latino-americana. Isso, após mais de uma década de regulação por parte da esquerda, encerrada no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, no ano passado. Este tratado também assinala os esforços dos brasileiros para uma nascente indústria de Defesa”.
Segundo o secretario Flavio Basílio, do Ministério da Defesa, “o documento é um outro passo para que os laços com os norte-americanos permitam importantes parcerias tecnológicas que embasarão a indústria bélica”. O tratado também vai em direção ao objetivo dos militares dos EUA de ocupar a base para lançamento de foguetes em Alcântara, no Maranhão. E foi exatamente o que ele fez.
A embaixada dos EUA, em Brasília, evitou qualquer comentário sobre o assunto.
Cooperação
O Convênio para Intercâmbio de Informações em Pesquisa e Desenvolvimento (MIEA - Master Information Exchange Agreement, na sigla em inglês), ainda segundo Basílio, permitira que os dois países levem adiante, em parceria, projetos de desenvolvimento tecnológico. No caso, apesar da sinalização de mão dupla, os papéis ficam bem definidos pela dimensão das máquinas de guerra, nos dois países.
Às pressas, a assinatura do tratado ocorreu após a chegada de Temer ao Palácio do Planalto. Seguiu no bojo do golpe de Estado, em curso no país. Coube à Chefia de Assuntos Estratégicos do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) e pela Secretaria de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa (Seprod) traçar os detalhes técnicos.
Secretário da Seprod, Basilio admite que o documento “é a base para se estabelecer qualquer tipo de cooperação bilateral com os EUA”. As negociações foram ampliadas depois que Raul Jungmann e a então embaixadora norte-americana no Brasil, Liliana Ayalde, participaram do Diálogo da Indústria de Defesa, um encontro bilateral que restaurou a forma subsidiária entre os países, toralmente reformulada durante os governos de Lula e Dilma.
Horizonte amplo
O acordo fechado, a toque de caixa, entre o Brasil e os EUA, no campo da indústria bélica, segue em paralelo com os objetivos geopolíticos dos norte-americanos de reforçar posição no Cone Sul da América Latina. Desde o início das negociações até a assinatura do tratado, na semana passada, os diálogos entre Brasília e Washington, e de ambos com Buenos Aires, intensificaram-se nos últimos seis meses.
A recente visita do então presidente Barack Obama à capital portenha, em um dos últimos atos externos, selou o acordo. O chefe de Estado argentino Mauricio Macri autorizou a instalação de duas bases dos EUA no país. Uma em Ushuaia, na Terra do Fogo, e outra na Tríplice Fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai.
Segundo José Carlos de Assis, economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ e professor de Economia Internacional da UEPB, “a base em Ushuaia é uma projeção próxima e direta sobre a Antártica". É a maior reserva gelada de água doce do mundo; "além de conter importantes minerais estratégicos”, lembra.
Água, recurso vital
Uma recente matéria do diário argentino Integración Nacional já ventilava a mesma opinião. Trata-se da entrevista de Elsa Bruzzone, especialista em geopolítica, estratégia e Defesa. Ela também integra o Centro de Militantes para a Democracia Argentina (CEMIDA).
— Os EUA utilizam diversos pretextos, entre eles o de ‘ajuda humanitária’ e ‘apoio diante de catástrofes naturais’. Objetivam instalar bases militares disfarçadas de bases científicas. Estas bases encobertas eles sempre as instalam em zonas onde há recursos naturais altamente estratégicos. Entre eles, água, terra fértil para produção de alimentos, minerais, petróleo, biodiversidade — afirmou a analista argentina.
Segundo Bruzzone, os EUA querem "fechar o cerco sobre todos os recursos naturais" da América.
— As bases militares, cobertas e encobertas, que instalaram na América Central e no Caribe, somadas às que possuem na Colômbia, no Peru, no Chile e no Paraguai, junto com a base militar da OTAN nas Malvinas mais o destacamento britânico nas Ilhas Georgias fecham o cerco sobre todos nossos recursos naturais. E reafirmam sua presença na Antártida — acrescentou.
Dois aquíferos
Neste contexto, cabe lembrar que o Brasil, que compartilha mais de 1,2 mil km de fronteira com a Argentina, possui dois aquíferos subterrâneos de enorme importância: o Guarani e o Alter do Chão. Este último, aliás, é considerado o maior depósito de água potável do mundo, com 86 mil km³ de água doce.
Segundo afirma o professor Assis, “o governo Macri nos expõe à presença militar norte-americana de uma forma que cria desconforto em todo o Cone Sul”.
"A Argentina deverá escolher entre sua aliança estratégica com o Brasil, que lhe tem garantido sobrevivência econômica. Sem deixar a condição de subordinada aos interesses de Washington. Se colocar os pesos na balança, verá que a aliança com o Brasil interessa mais. A não ser que confunda Brasil com José Serra!", acrescenta o texto.
As tratativas ocorreram durante a gestão do senador José Serra (PSDB-SP), enquanto ocupava o Ministério das Relações exteriores. Ele foi denunciado pelo WikiLeaks. Serra teria negociado com interesses norte-americanos para mudar o regime de partilha do pré-sal. Além disso, aberto as portas do setor à exploração de corporações estrangeiras.