Stédile: ‘Um ano perdido para o trabalhador brasileiro’

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Publicado segunda-feira, 4 de janeiro de 2016 as 14:55, por: CdB

O governo federal se assustou, montou um ministério medíocre, que não representa as forças que elegeram a presidenta. “E passou o ano se defendendo”, afirmou Stédile

Por Redação, com Bruno Pavan/BdF – de São Paulo

O ano que terminou há quase uma semana representa, na realidade, um marco na conjuntura extremamente complexa do Brasil. Diante de um cenário difícil, os movimentos populares construíram novos espaços de articulação para as lutas sociais. Para o economista João Pedro Stédile, da direção nacional do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e integrante da Frente Brasil Popular, 2015 foi “um ano perdido para os trabalhadores brasileiros”.

Stédile acredita que o processo de impeachment estará resolvido até abril deste ano
Stédile acredita que o processo de impeachment estará resolvido até abril deste ano

Stédile concedeu uma entrevista ao jornalista Bruno Pavan, do jornal Brasil de Fato (BdF) — da qual o Correio do Brasil reproduz os trechos mais relevantes — e avalia que “a novela do impeachment” deva terminar até abril deste ano. Para o líder socialista, 2016 será marcado pela luta em torno da condução da política econômica do governo.

Leia os trechos mais importantes da entrevista:

— Que balanço os movimentos que compõe a Frente Brasil Popular fazem, em termos de lutas e de enfrentamentos políticos?

— A Frente Brasil Popular é uma frente ampla, uma aliança das mais diferentes formas de organização de nosso povo: movimentos populares, da juventude, sindicais e partidos. Nós sempre tomamos as deliberações por consenso, não temos instâncias de coordenação, nem porta-vozes.  Assim, não posso e nem devo falar pela Frente Brasil Popular. Falo pelo que vejo nos movimentos da Via Campesina, nos movimentos populares e nas minhas andanças pelo Brasil.

Em termos gerais, acho que podemos dizer que 2015 foi um ano perdido para os trabalhadores brasileiros. Um ano no qual a mediocridade política imperou. A maioria do povo brasileiro, com seus 54 milhões de votos, reelegeu a presidenta Dilma (PT). Porém, setores das classes dominantes e os partidos mais conservadores não se deram por vencidos e quiseram retomar o comando do Executivo no tapetão. Começaram a conspirar desde a posse.

Para isso se utilizaram dos espaços nos quais têm hegemonia – como a mídia corporativa, o poder Judiciário e o Congresso – para tentar derrubar a presidenta. O governo federal se assustou, montou um ministério medíocre, que não representa as forças que elegeram a presidenta. E passou o ano se defendendo, gerando uma situação de disputa e de manobras apenas em torno da pequena política.

— E qual o balanço das mobilizações?

— Bem, aí acho que foi um ano bem disputado. No início, em março e abril, muitos setores da esquerda institucional não queriam ir para a rua. Fomos nós, os movimentos populares e as centrais sindicais, que insistimos na linha de que nossa principal disputa com a direita deveria ser na rua. A direita teve seu auge em março, e depois foi diminuindo em agosto, e caiu no ridículo em dezembro. E os movimentos populares fizeram o caminho inverso: fomos aumentando devagarzinho, e demos o troco em dezembro, com mobilizações de massa, em muitas capitais, principalmente São Paulo.

Acho que agora conseguimos envolver não apenas os militantes, mas muita gente da base começou a se mexer e também foi pra rua. Acho que, na rua, o impeachment está derrotado. Pois a pequena burguesia reacionária que vociferava clamando pelo golpe, pela volta dos militares, não conseguiu mobilizar ninguém além deles mesmos. Além disso, a pequena burguesia na sociedade brasileira é insignificante, em termos de base social.

— E na economia, qual é o balanço?

— O balanço é extremamente negativo na economia. A economia brasileira vive uma grave crise, fruto de sua dependência do capitalismo internacional e do controle hegemônico dos bancos e das empresas transnacionais. Terminamos o ano com queda de 4% no PIB. Caíram os investimentos produtivos, seja por parte do governo e empresas estatais, seja por parte dos empresários.

O governo cometeu vários erros que agravaram a crise. Primeiro, trouxe um neoliberal para o Ministério da Fazenda, que certamente teria sido ministro da chapa Aécio Neves. As medidas neoliberais de aumento da taxa de juros de 7 para 14,15%, os cortes nos gastos sociais, o tal ajuste fiscal, só produziram mais problemas para o povo e para a economia. A inflação atingiu os 10% ao ano e o desemprego alcançou a média de 8,9% da população trabalhadora.
O tesouro nacional pagou R$ 484 bilhões em juros e amortização aos bancos. Usaram dinheiro público para garantir o rentismo da especulação financeira, em vez de investir na solução de problemas e no investimento produtivo. Felizmente, o ministro caiu. Deixou, porém, um ano perdido. É preciso mudar a política econômica, não apenas o gerente.

— Qual a avaliação da atuação do Congresso Nacional, em especial na Câmara dos Deputados, durante 2015?

— O Congresso foi o espelho maior da mediocridade da política durante o ano. Primeiro, elegeram Eduardo Cunha (PMDB-RJ) como presidente da Câmara, ainda que todos soubessem de suas falcatruas. E quando ele soube que a Procuradoria da República iria pedir sua destituição e prisão, se adiantou e propôs o impeachment da presidenta Dilma.

Mas o feitiço voltou-se contra o feiticeiro e a presidenta Dilma foi salva, pela truculência e manipulação do feiticeiro, que usou de falsos argumentos. Tenho certeza que com o rito determinado pelo STF , certamente o governo terá  os votos necessários na Câmara e no Senado para barrar o processo.

É necessário que o sr. Cunha seja julgado pelo STF o mais rápido possível. Porém, além das artimanhas do Ali Babá brasileiro, o Congresso se revelou extremamente conservador em todas as matérias encaminhadas, algumas sendo aprovadas, representando um retrocesso, uma destruição da constituinte de 88 e uma dicotomia total com os anseios e práticas da sociedade. Vários projetos esdrúxulos, sem sentido, estão percorrendo o Congresso, sobretudo na Câmara.

Desde a diminuição da maioridade penal, a proibição de colocar nos rótulos que o produto é transgênico – negando informação ao consumidor, a autorização de uso para sementes estéreis; a privatização da Petrobras – projeto do senador Serra (PSDB), até medidas homofóbicas e extremamente reacionárias. Tudo isso é fruto da falência da democracia parlamentar brasileira, causada pelo sequestro que as empresas fizeram através do financiamento milionário das campanhas políticas. Segundo revelou o ex-ministro Ciro Gomes , o deputado Eduardo Cunha teria distribuído R$ 350 milhões de empresas para eleger deputados cupinchas, que agora o defendem…

— E qual a solução para esse mal funcionamento da democracia brasileira?

— Nós dos movimentos populares temos defendido a necessidade de uma reforma política profunda, que faça diversas modificações no regime político, no sistema eleitoral, para devolver ao povo o direito de escolher sem influências da mídia ou do capital.  Há diversos projetos de lei apresentados na Câmara, por diversas entidades da Coalizão Democrática… Porém, esse Congresso não quer, e nem tem moral, para cortar seus próprios dedos.

Então, só nos resta lutar por uma Assembleia Constituinte, que somente virá com o reascenso do movimento de massa. Portanto, ainda vai demorar, mas é a única saída política viável e necessária.

— Quais são as perspectivas políticas  para o ano de 2016, na ótica dos movimentos populares?

— Nossa expectativa é de que até abril termine a novela do impeachment. E, a partir daí, o governo se recomponha com uma nova aliança de partidos governantes, com um novo ministério adequado à realidade da sociedade.  E que o governo volte a assumir os compromissos que fez na campanha.
Se o governo não der sinais que vai mudar, que vai assumir o que defendeu na campanha, será um governo que se auto-condenará ao fracasso. Pois não tem confiança das elites, que tentaram derrubá-lo, e ao mesmo tempo não toma medidas para a imensa base social, que é 85% da população brasileira. Espero que o governo tenha um mínimo de visão política para escolher o lado certo.

— Há alguma proposta alternativa de política econômica por parte dos movimentos populares?

— No ano de 2015, cerca de 150 dos nossos melhores economistas, que estão nas universidades, sindicatos e institutos de pesquisa passaram meses discutindo e apresentaram um documento com medidas de curto e de médio prazo para sairmos da crise econômica. O governo não deu bola. Foi preciso a Frente Brasil Popular exigir para que eles pudessem apresentar o documento ao governo, o que ocorreu apenas em 16 de dezembro passado.

Tenho escutado muitos economistas, empresários, pesquisadores e políticos nacionalistas. E todos têm propostas claras. O problema é que o governo é surdo e autossuficiente. O governo precisa apresentar urgente um plano de retomada do crescimento da economia, e propor um pacto entre trabalhadores e empresários que cesse o aumento do desemprego. Nenhum desempregado a mais, a partir de agora.

Tenho ouvido propostas de que se poderia usar 100 bilhões de dólares de nossas reservas – que são de 350 bilhões – e, portanto, não afetaria o fluxo de comércio e nenhum pagamento externo. Com esses recursos, aplicar em investimentos produtivos na economia, como na construção civil, que rapidamente ativa toda economia, na infraestrutura das cidades, na agricultura familiar e na educação. Imaginem aplicar em alguns meses 400 bilhões de reais em investimentos produtivos, certamente ativariam a economia para voltar a crescer, garantindo emprego e renda também para os trabalhadores.

O governo deve diminuir a taxa de juros, e parte dos recursos pagos aos bancos em juros deslocar para a Petrobras, retomar suas obras, algumas faltam apenas 10% para serem concluídas e estão paradas. Repassar recursos também para o BNDES financiar a indústria e as grandes obras nas cidades.
Propostas não faltam. Falta é coragem para o governo construir uma grande coalizão social de forças populares e empresariais, para mudar o rumo da sua política econômica.  Se ficar no rame-rame da burocracia e das contas públicas, será um governo fadado ao fracasso, e não haverá como defendê-lo. Para isso, ele precisa dar sinais logo.

— Por último, na sua opinião, como as organizações populares e de esquerda devem se comportar no próximo ano?

— Nós temos ainda muitos desafios, históricos, que precisamos enfrentar no [próximo] ano e no médio prazo. A sociedade brasileira está enfrentando uma crise econômica, social, política e ambiental. E essa crise somente será superada com um projeto de país, que consiga aglutinar a maior parte da sociedade para criar uma nova hegemonia em torno dele.

— O capital financeiro e as corporações transnacionais querem a volta ao neoliberalismo, mas não conseguem hegemonia social, porque os brasileiros sabem que esse projeto interessa apenas aos grandes capitalistas. A burguesia interna, produtiva, não tem um projeto.  A pequena burguesia queria o impeachment e será derrotada. E a classe trabalhadora ainda não tem unidade em torno de um projeto para o país. Está ainda atônita assistindo os problemas.

Temos o desafio de articular todos os meios de comunicação alternativos populares, para fazer frente ao massacre diário da mídia burguesa. Temos o desafio de retomar o debate sobre a necessidade de uma reforma política, que somente virá com uma Assembleia Constituinte. E temos o desafio de pressionar o governo a mudar sua política econômica, para evitar o agravamento dos problemas da economia e da classe trabalhadora.  E se o governo não mudar até abril, dando sinais claros de que lado está, certamente vai perder sua base social, e se transformará num governo de crise permanente até 2018.