Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

Perseguição à Fé Bahá’í no Irã

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Quarta, 23 de Agosto de 2017 às 12:22, por: CdB

Em maio deste ano foi lançada uma campanha mundial para a libertação imediata de sete líderes da Fé Bahá’í, presos há nove anos no Irã, acusados de serem inimigos do Islã.

Por Sheila Sacks, do Rio de Janeiro:

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Estado teocrático iraniano persegue os seguidores da Fé Bahá’í

Em maio deste ano foi lançada uma campanha global para a libertação imediata de sete líderes da Fé Bahá’í, presos há noves anos no Irã, acusados de serem inimigos do Islã. O chamamento intitulado “Outro Ano, Não” pretende pressionar o governo de Teerã a libertar os cinco homens e duas mulheres condenados inicialmente a vinte anos de prisão. Com a redução da sentença, em 2015, para dez anos, por conta da aplicação de um novo código penal iraniano, o apelo é para que o grupo seja solto ainda este ano.

A comunidade internacional Bahá’í congrega mais de 5 milhões de adeptos em mais de 160 países, notadamente na Índia e no Irã. No Brasil, são mais de 65 mil pessoas de diferentes classes sociais, culturais e econômicas residentes em 1.300 municípios, do norte ao sul do país. Suas ações são direcionadas para os campos do diálogo inter-religioso e da promoção da igualdade racial, trabalhando em parceria com ONGs e instituições governamentais pela defesa dos direitos humanos, do desenvolvimento sustentável e da boa governança.

Uma fé perseguida

De acordo com o site oficial da comunidade Bahá’í, a sua fé é uma religião mundial independente, com leis próprias e escrituras, surgida na antiga Pérsia, atual Irã, em 1844. Foi fundada por Bahá’u’lláh (do árabe ‘A glória de Deus’), título de Mirzá Husayn Ali (1817-1892), e não possui dogmas, rituais, clero ou sacerdócio. Sua sede permanente está localizada no Centro Mundial Bahá'í,  na cidade de Haifa, um dos motivos da perseguição aos seus fiéis residentes no Irã, acusados de serem agentes pró-Israel e inimigos do Islã. No entanto, muito antes da existência do estado de Israel, a Fé Bahá’í estava presente naquele território. Isso porque os seus fundadores foram exilados e presos na colônia penal de Acre, na então Palestina, em 1868, 80 anos antes da independência de Israel, ocorrida em 1948. 

Vítimas de perseguições, os bahá´ís foram obrigados a deixarem o Irã, principalmente na década de 1950, durante o governo do Xá Reza Pahlevi, intensificando o  êxodo a partir de 1979, com a instalação da República Islâmica do Irã, do Aiatolá Khomeini. Nesse regime teocrático e fundamentalista, os bahá´ís iranianos são acusados de “infiéis” e “hostis”, e a sua comunidade de mais de 300 mil pessoas vive em permanente estado de opressão e precariedade religiosa, social e jurídica.

Em sua página oficial, a Fé Bahá’í descreve a situação crítica de seus adeptos no Irã, considerados inimigos do Estado: “Desde a revolução, mais de 220 líderes da comunidade bahá’í foram mortos, locais sagrados demolidos, jovens expulsos de universidades, crianças maltratadas nas escolas, cemitérios destruídos, além da perda do direito ao trabalho, às pensões e aposentadorias.” Outro fato inédito a destacar é que os acusados não podem ter advogado de defesa.

Em razão dessa situação dramática, cerca de uma centena de bahá'ís iranianos receberam refúgio no Brasil na década de 1980. Eles se juntaram à comunidade bahá’í brasileira, cujo início remonta ao ano de 1921, quando da instalação do primeiro grupo bahá’í na cidade de Salvador, na Bahia.

Apelo Universal

Quando do lançamento da campanha pela libertação dos sete religiosos, a principal representante da Comunidade Internacional Bahá’í nas Nações Unidas, a advogada indiana Bani Dugal, exaltou a coragem do grupo e o sofrimento de suas famílias. “A nossa expectativa é que estes sete corajosos indivíduos sejam libertados até o próximo ano, ao completarem as suas penas, apesar de que, na verdade, eles não deviam sequer ter sido presos.” 

A representante fez, ainda, um relato dramático da situação dos condenados: "Os sete eram casados, com crianças, e antes de serem presos tinham vidas familiares muito queridas. Os sete eram também extremamente ativos e trabalhavam pela melhoria da sua comunidade e da sociedade iraniana como um todo. O longo período de prisão implicou, entre outras coisas, que perdessem o nascimento de netos, os casamentos dos filhos e parentes próximos, e os funerais de familiares e amigos."

Além dos sete Yaran (‘Amigos que ajudam’), como é conhecida a liderança bahá’í, mais 86 outros fiéis permanecem presos no Irã unicamente pelas suas crenças religiosas. Em 2009, após anos de luta na defesa dos bahá’í e contínuas ameaças de morte, a juíza iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz de 2003, teve que procurar refúgio na Inglaterra. “De fato, toda a comunidade bahá’í iraniana está sujeita à injustiça e crueldade, à opressão e tirania“ reforça Bani Dugal. ”Todos enfrentam políticas injustas de estrangulamento econômico, a negação de acesso ao ensino superior, e ataques maliciosos – que as autoridades não investigam - contra as suas propriedades, para não mencionar uma intensa propaganda negativa nos meios de comunicação oficiais”, acrescenta.

Em comunicado oficial, a “Casa Universal da Justiça”, instituição máxima da Fé Bahá’í, instalada no Monte Carmel, em Haifa, atribui ao “fanatismo rígido” dos dirigentes iranianos a conduta “irracional” de sufocar a minoria bahá’í, utilizando-se de “políticas tacanhas” que minam a credibilidade do país na esfera internacional. Composta por nove membros eleitos a cada cinco anos, a instituição exerce funções legislativa e jurídica, publica livros e documentos e administra todas as questões mundiais da fé em questão.

Os presos e suas famílias

Há dois anos, a jornalista nascida em Angola, Margarida Santos Lopes, que foi editora internacional do jornal “Público”, de Lisboa, e é especializada em assuntos que envolvem o Oriente Médio e o Islã,  publicou em seu blog um texto em que registra o perfil biográfico dos presos ( ‘Bahá’ís: Perseguidos no Irão, nem sempre amados em África’, em maio de 2015).  De início, ressalta a detenção de Mahvash Sabet, de 62 anos, professora e  responsável durante quinze anos pelo Instituto Bahá’í do Ensino Superior (atualmente fechado) onde lecionava Psicologia e Gestão. A organização educacional era uma alternativa acadêmica aos jovens bahá’ís proibidos de frequentar universidades nacionais.

Relata a jornalista que em 5 de Março de 2008, Sabet foi convocada pelo Ministério da Segurança, na cidade de Mashad, para responder a questões relacionadas com um funeral bahá’í. “Foi o início de uma campanha que levaria para a infame penitenciária de Evin, em Terã, todos os sete Yaran , detidos nas suas casas, na capital, em 14 de maio, afirma.

E prossegue: “À Mahvash Sabet juntaram-se a psicóloga Fariba Kamalabadi, 52 anos e três filhos; o empresário Jamaloddin Khanjani, 81 anos (a sua mulher morreu em 2011, mas ele não foi autorizado a assistir ao enterro) e quatro filhos; o industrial a quem foi negado o sonho de ser médico Afif Naeimi, 53 anos e dois filhos; o engenheiro agrónomo Saeid Rezaie, 57 anos e três filhos; o assistente social forçado a ser carpinteiro Behrouz Tavakkoli, 63 anos e dois filhos; e o optometrista Vahid Tizfahm, 42 anos e um filho”, denuncia Margarida Lopes.

Lamentavelmente, a jornalista que tem uma posição bastante crítica em relação ao estado de Israel e que esteve recentemente no Irã para a revista de viagens “Volta ao Mundo”, não cita os bahá’is na interessante reportagem de exaltação à beleza natural, arquitetônica e histórica do país, apesar de detalhar um roteiro que inclui a localização dos vários grupos étnicos e religiosos que habitam a região ( ‘Uma viagem ao Irã que nunca viu’, em 19 de junho de 2017).

No entanto, os bahá’is são a maior minoria religiosa do Irã e seus líderes estão presos desde 2008 acusados pelo regime islâmico de espionagem e “corrupção na Terra”, crimes punidos com a pena de morte.

Sem provas

Para o Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Irã, com sede em Londres, não há provas para condenar nenhum dos sete religiosos. Fundado e presidido por Shirin Ebadi, 70 anos, primeira mulher muçulmana a receber um prêmio Nobel, a organização luta por uma maior conscientização dos direitos humanos no Irã, denuncia suas violações e dá apoio às famílias vítimas de perseguições política e religiosa.

A própria Shirin Ebadi é um exemplo da impiedade do regime fundamentalista do Irã. Juíza em Teerã, perdeu o cargo em 1979, logo após a revolução islâmica, sendo destituída da função porque as mulheres foram proibidas de conduzir julgamentos. Rebaixada a simples funcionária do mesmo tribunal onde era presidente, ela começou a advogar em defesa de ativistas políticos, jornalistas perseguidos e dos sete líderes bahá’ís, atividades que levaram ao seu encarceramento.

Em 1999, Ebadi ficou quase um mês presa em confinamento na prisão de Evin, acusada de perturbar a ordem pública. Foi condenada a um ano e meio de prisão e impedida de exercer a sua profissão por cinco anos, mas a pressão internacional fez o governo reduzir a pena para uma multa. Em 2008, o escritório que mantinha como centro de defesa de direitos humanos foi fechado pelas forças de segurança iranianas e o imóvel confiscado. No ano seguinte, com o agravamento das tensões políticas no Irã e as continuadas ameaças de morte, ela optou pelo exílio.

Em 2011, em visita ao Brasil para participar do encontro “Fronteiras do Pensamento”, em Porto Alegre, a ex-juíza iraniana denunciou mais uma vez a situação de violação dos direitos humanos no país. “No Irã, quem se opõe ao governo é preso. Muitos dos meus amigos estão na prisão e há relatos de assassinatos de prisioneiros políticos.” Ebadi é autora de vários livros, entre eles “Iran Awakening” (O despertar do Irã), publicado em 2006, e “Until we are free” (Até que sejamos livres), de 2016.

Causa Bahá’í na ONU

Outro importante combatente da causa Bahá’í é o diplomata originário das Ilhas Maldivas, Ahmed Shaheed, relator especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos no Irã. Eleito para o cargo, em 2011, pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, Shaheed, que vive na Inglaterra, foi reeleito pela sexta vez, no ano passado. Sua principal missão é lutar pela proteção dos direitos humanos nas sociedades islâmicas, apoiando a liberdade de religião e a abolição da pena de morte. Proibido pelas autoridades iranianas de visitar o país (desde 2005 o governo de Terã proíbe a entrada de peritos internacionais), ele emite comunicados periódicos à imprensa internacional pedindo a libertação “incondicional e imediata” dos sete líderes bahá’ís.

No Brasil, a posição do governo é de abstenção nas votações nos fóruns internacionais quando o tema é sobre as violações de direitos humanos no Irã. A atitude se consolidou, a partir de 2001, e o Itamaraty justifica o voto afirmando “dispor de informações que apontam avanços na situação dos direitos humanos no país”. Mas, o motivo real é evitar qualquer abalo econômico na relação entre os dois países que, em 2016, realizaram trocas comerciais no valor de 2 bilhões de dólares. 

 Também desde 2015 o Brasil mantém seu voto de abstenção à renovação do mandato do relator especial para o Irã, no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Porém, o mais recente informe da relatoria especial, publicado em setembro de 2016, aponta 530 pessoas executadas no país. Em 2015, o número de execuções foi maior, atingindo entre 966 e 1054 pessoas, uma situação jamais registrada nos últimos 20 anos, segundo o relator Ahmed Shaheed.

No ano passado, ONGs ligadas à minoria religiosa Bahá’í no Irã já alertavam que o presidente Hassan Rouhani, eleito em 2013 com uma plataforma menos conservadora e mais aberta ao cenário internacional, não vinha cumprindo a sua promessa de campanha de combater a intolerância religiosa no país. Propagandas contra os adeptos dessa fé têm sido veiculadas livremente na mídia iraniana e jovens bahá’ís continuam proibidos de ter acesso às faculdades. Para especialistas em geopolítica, apesar das expectativas, não houve mudanças substanciais no Irã, porque o atual presidente ainda não transformou o histórico repressivo do país.

Rouhani foi reeleito em maio de 2017 para um novo mandato de quatro anos, com 57% dos votos do eleitorado, prometendo a retomada do diálogo com o Ocidente.

Sheila Sacks, jornalista formada pela PUC-RJ sempre trabalhou em assessoria de imprensa.Tem artigos publicados nos sites Observatório da Imprensa e Rio Total. Desde 2009 mantém o blog “Viajantes do tempo”.

Direto da Redação é um fórum de debates, editado pelo jornalista Rui Martins.

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