Para quando voltar a inclusão social

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Publicado Sexta, 28 de Agosto de 2015 às 06:00, por: CdB
Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro Nem mesmo os maiores adversários dos governos do Partido dos Trabalhadores ignoram que ele promoveu a inclusão social de milhões de brasileiros. Aliás, são inimigos mortais do PT exatamente por isso. Além do notável Bolsa Família, que é certamente assistencialista, pois assim a exploração multissecular das elites tornou esse o único caminho possível, não se negará que os programas do PT privilegiaram ou mesmo se preocuparam exclusivamente com a quantidade a executar, deixando perigosamente de lado a qualidade do que é preciso fazer.
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Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras
Milhões de empregos formais criados não foram acompanhados por melhoria das condições de trabalho nas fábricas, nos escritórios, no mundo da agroindústria e, de forma muito especial e aguda, nos bancos: estudos já feitos mostram um número assustador de suicídios de bancários, por não suportarem as pressões desumanização do trabalho nos bancos. As nossas universidades estão diplomando 37% de analfabetos funcionais que serão rejeitados pelo mercado de trabalho. E há o que questionar quanto ao programa de casas populares, o Minha casa, minha vida. Demais ambicioso (o quanto necessário, sem dúvida) em quantidade, porém falho, e muito, em qualidade. Nabil Bonduk é arquiteto e urbanista respeitado em todo o Brasil, professor da FAU/USP, secretário de governo da Prefeitura de São Paulo e político de frequência de um só partido, o PT. É dele a avaliação: “O Programa Minha Casa, Minha Vida - prioridade dos governos Lula e Dilma - que, em seis anos, deve atingir a significativa marca de 3,75 milhões de unidades habitacionais contratadas, apresenta, salvo exceções, que revelam a potencialidade existente, uma baixa qualidade arquitetônica e uma inadequada inserção urbana, além de não dialogar com as práticas tradicionais de produção de moradia popular”. A proposta governamental é perfeita, justa e de execução urgente: “Os de habitação programas de Habitação de Interesse Social têm como objetivo viabilizar à população de baixa renda o acesso à moradia adequada e regular, bem como o acesso aos serviços públicos, reduzindo a desigualdade social e promovendo a ocupação urbana planejada. Isso se dá por meio de apoio aos municípios, aos estados e ao Distrito Federal na elaboração de planos locais”. Como essa população de baixa renda terá acesso ao programa? As famílias de renda mensal de até R$ 1,6 mil serão atendidas pelas prefeituras. Acima disso, e até a renda familiar mensal de R$ 5 mil, caberá a negociação direta com a construtora. Fica então ignorado o que é evidente: não só as empresas construtoras são frequentemente arapucas, como as prefeituras municipais não primam por competência técnica e nem por práticas corretas de gestão da coisa pública. A urgência em enfrentar o problema de habitação para o povo permitiu ao Governo ser temerário, montando um esquema amplo demais e descentralizado demais. Criaram-se fontes de recursos a serem aplicados no programa e mais regulamentos muito importantes com o Estatuto da Cidade, com a preocupação de fazer prevalecer a função social da propriedade do solo. Com em muitos outros momentos, Brasília construiu um grande aparelho, que de fato não existe e que permite, estimulado pela ilusão do “deve ser assim”, a incompetência e a difusão de práticas de corrupção. Abriu-se um novo ciclo de especulação imobiliária e está sendo provocado o agravamento da segregação sócio-territorial. Repetem-se, agora, e de forma agravada os equívocos da época do BNH, com conjuntos de péssima qualidade e localizados em áreas distantes, os lastimáveis pombais da gestão Salim Maluf em São Paulo, com o que surgem novos problemas urbanos, com a extensão horizontal das cidades, elevando custos e dificuldades de mobilidade. O governo, imaginando que, om recordes de produção, investindo na construção maciça de moradias e ampliação do crédito imobiliário, solucionará o problema de moradia no País, não está preocupado com a questão de uso do espaço urbano, não rompendo com a segregação. Não se toma em conta que a distância maior entre a moradia e o emprego torna mais caro e problemático o transporte urbano.
conjunto-habit-300x169.jpgOs conjuntos habitacionais foram construídos em áreas distantes dos centros urbanos
Fixaram-se alguns parâmetros muito discutíveis e que permitem a criação de monstruosidades que atentam contra a dignidade humana: um empreendimento não poderá conter mais do que 500 unidades, cada uma delas com área mínima de 32 metros quadrados divididos em: sala, dois quartos, cozinha, banheiro e área de serviço. Os empreendimentos deverão contar com equipamentos públicos (?) Quais? Onde? Com que requisitos? Serão esses os padrões que se seguem nos apartamentos funcionais de Brasília? Um barraco de favela será muito menor e menos deprimente? Nabil Bonduki, depois de pesquisa extensa, publicou “Os pioneiros da habitação social”, postos os seus resultados, análises e conclusões em três volumes que somam aproximadamente 1500 páginas. Nesse estudo, fica mostrado e provado que a experiência dos anos 1940-50 representa um exemplo e contém sugestões de solução válidas para os dias atuais. O PHP comandado por Carmen Portinho,que entendia como instrumento de educação para um novo modo de morar, num projeto onde desempenhariam papel de primeira importância assistentes sócias, ensinando novos hábitos de higiene, alimentação e formas de utilização da moradia; utilizou os institutos de previdência IAPI, IAPC, IAPB, com a construção de prédios com arquitetura arrojada, ,colocando populações próximas de seus locais de trabalho.
favela1-300x169.jpgAs favelas se transformaram em grandes aglomerados humanos
Ao mesmo tempo, foi possível produzir habitações de boa qualidade em periferias, somando-se moradias e equipamentos sociais, num projeto inteligente e viável de urbanização: as ”cidades modelo” propostas por Vargas. Em resumo, comprova-se com documentação fotográfica que em passado não tão longínquo, criaram-se soluções muito mais inteligentes. Nas fotos que ilustram esse artigo temos: conjunto na Vila Giomar, em Santo André (antes do BNH), favela, e conjunto habitacional do Minha casa, minha vida. Um ponto muito importante e que os cuidados atuais para com as populações pobres não consideram: o DHP, à época de Vargas, foi dirigido pela primeira mulher urbanista brasileira. Citada acima, Carmen Portinho. Vale a advertência de Nabil: o que se tem pela frente não é um desafio técnico-profissional, é um desafio político. Os governos do PPT não o enfrentaram. Basta que se lembre a figura que responde pelo Ministério das Cidades. Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
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