O vice-presidente, de fato e concretamente, não exercerá o poder, nem mesmo interinamente
Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro:
Michel Temer, que pretende usurpar um cargo, começa por se apoderar com a conivência da imprensa, um título, o que na verdade, prossegue tão só um vice-presidente da República, no exercício interino da Presidência. O erro é proposital, objetivando a criação de uma situação de fato, próxima tarefa a que se dedicarão os que querem o Poder pela força: acreditam que a mentira que distorce os fatos se fará verdade, se repetida como um mantra. O STF é conivente nessa farsa, tendo decido pelo direito do farsante, de nomear ministros, sob alegação de ser essa uma condição para governar. Não fossem corruptos, os ministros da “corte suprema” teriam pronunciado palavras de bom-senso: ao interino não cabe fazer um governo novo, sob pena de estar se antecipando ao rito determinado pela Lei, tornando desde logo inviável o que foi eleito pelo povo, sem a ocorrência de condenação. Essa observação escapou aos que peticionaram ao STF, contentando-se em alegar crises de ciúmes de Eduardo Cunha.
O que está sendo cometido no Brasil é crime: crime de insurreição, golpe, denunciado pelo mundo afora, pela imprensa, na ONU, na OEA, no âmbito do Mercosul. É a sublevação da ordem e desrespeito ao Estado de Direito. Uma obra que só aparentemente está sendo cometida pelo Congresso Nacional. Durante a Ditadura, o Congresso, por completo passivo, submeteu-se às vontades dos que se apossaram do Poder. Agora, para ceder à Casa Grande, cobra bem cobrado o preço pelas aberrações que é solicitado. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal não foram covardes, não cederam pelo temor das armas, que não saíram dos quartéis, mas querem receber o preço que lhes pareça justo, no comércio da honra que não poderão entregar, e não a possuem. Quem fez a proposta e quem a paga?
O golpe está sendo muito bem tramado, permitindo que se escondam os nomes de seus autores. Claramente, não são as múmias ambulantes, os que votaram na Câmara dos Deputados, clamando os nomes dos filhos e mulheres, sogras, maridos criminosos e cachorros. Como não são os senadores da República, condenando com a violência e a boçalidade que lembram o ditador Arthur da Costa e Silva aquela que não foi julgada. Analfabetos funcionais, os parlamentares não distinguem a acusação que a Constituição lhes permite fazer com a obrigação de julgamento justo, o que ainda está por ser feito e que será presidido pela Justiça.
Quanto aos Senadores, os que mais bradaram, Ronaldo Caiado, Cassio Cunha Lima, os mais imbecis, como Zezé Perrela e os mais ridículos, como Collor de Mello e Magno Malta, são apenas marionetes. Os que governarão provisoriamente são outros. É preciso que todos estejamos atentos. O vice-presidente, de fato e concretamente, não exercerá o poder, nem mesmo interinamente: que faça então bom uso de seu tempo e, poeta de pé-quebrado, embalsame-se como imortal da Academia Brasileira de Letras, companheiro de Jose Sarney.
A imprensa vai divulgando os passos que conduzem a um ministério novo, de um governo novo, como se verdadeiro. Macri, o apalhaçado que nuestros hermanos argentinos elegeram, trata de fazer o seu reconhecimento, como se nascido uma nova ordem proclamada, uma ditadura, seguindo muito disciplinado as orientações do Departamento de Estado e da CIA. Ópera bufa, cenário que engana os que querem ser enganados, os figurantes repetirão os mesmos gestos e as mesmas palavras que a safadeza política consagrou, fazendo-se uso e costume do que se pratica nos espaços públicos.
Desse palco iluminado, passemos aos bastidores, onde se refugiam, não o presidente interino, mas os verdadeiros regentes da infâmia. O PSDB de Fernando Henrique estará sendo revivido por Jose Serra, que negociará com a Máfia do Petróleo, cabendo a Aloísio Nunes a reconstrução de uma ideologia do neoliberalismo globalizante, no que terá a ajuda de Romero Jucá. O projeto de privatizações desnacionalizantes é de fato a pedra de toque e a razão de ser para o golpe. Para o PMDB dos Picciani e similares serão reservados os bons negócios e a certeza de que o arcaico mandonismo dos coronéis prosseguirá praticado, não apenas no Rio de Janeiro, mas Brasil afora ... arriba, abajo, al centro e adentro.
Tudo isso está sendo intentado contra a Nação, o povo e a Constituição, na certeza da impunidade. Os crimes cometidos pela Ditadura de 1964 não foram e não serão punidos e os cometidos agora serão sempre anistiados. Quem sabe muito bem sobre isso é o nefando Delfim Neto, signatário do AI-5, que circula livremente pelos palácios de Brasília,conselheiro de todos, inclusive de Michel Temer.
Durante o longo encontro dos senadores, desejosos de lapidação da Presidente, o comandante da malta, Renan Calheiros, cometeu ato falho, exaltando suas iniciativas na consolidação e ampliação do raio de ação da TV Senado. Isso é o que justifica em última instância, a ele e ao presidente do STF, e é o naco de queijo que atrai a rataria. Ela, a TV Senado e toda a exaltação a ser promovida por todos os meios de divulgação fazem-se em uma premiação concedida aos bandidos. Aí fica o “michê” deles todos. A começar do presidente do STF, seguido do presidente do Senado e o séquito dos senadores anões, os 180 dias que a Lei concede ao Tribunal de Inquisição, instalado abaixo da linha do Equador, serão usados como o maior e mais contundente “horário eleitoral gratuito”. As vaidades e narcisismos indisfarçáveis de Lewandowiski e de Calheiros poderão exibir-se em repetidos flagrantes de vaidade , enquanto os pequenos senadores-roedores farão mágicas de verborragia, na farta distribuição eletrônica dos “santinhos – vote em mim”.
Terminado esse número de ilusionismo, o que teremos? O projeto golpista é arriscado demais e terá a oposição de um povo que começa a medir as suas próprias forças. O temor de um fracasso muito possível poderá levar os seus autores a aceitar como bom o projeto que já se esboça, o de eleições antecipadas ainda para 2016. Essa hipótese, embora baseada também no direito inexistente de desrespeito à Constituição, poderá ser mais simpática aos que lutaram contra o golpe, podendo ver nela a caminho que impeça a sua consumação. Para os golpistas, poderá ser o caminho mais cômodo: realizar de imediato uma eleição é caminho que pode levar com muita facilidade ao continuísmo conservador, que sempre impediu à História do Brasil romper com o seu passado colonial de casa grande & senzala.
O povo brasileiro levantou-se e reivindicou o direito de expressar a sua vontade política em 1984, quando foi abandonado nas ruas e nas praças pelos políticos que se concertaram, elegendo Tancredo Neves, para entregar o governo ao que foi escolhido pela espada do jurisconsulto General Leônidas Pires Gonçalves. Jose Sarney pré-inaugurava o PMDB de hoje-em-dia. Em 1988 entregou-se a esse povo a “Constituição Cidadã”, aquela que consagrou a “democracia consentida”, a que afastava a ditadura, por faze-la desnecessariamente presente. Até mesmo Lula, para que fossem possíveis as suas eleições e os seus governos, submeteu-se aos limites constitucionais, mais ainda estreitados pelos atos de estupro que lhe cometeu o príncipe dos sociólogos, Fernando Henrique. Assim mesmo, a continuidade de apoio popular passou a ser temida como “perpetuação no poder”, risco de o povo tomar consciência de si mesmo e de sua força.
O que existe não é a continuidade da prática política proposta por Lula, mas o “continuísmo” que marca a História do Brasil: antecipemos a eleição presidencial, fazendo-a ainda em 2016, para que as urnas legitimem a mesma ordem que já temos, o mesmo domínio das elites. O momento atual exigirá ação, mas ação precedida de reflexão e de realismo. O que não tem sido uma constante nos dias mais recentes.
Em primeiro lugar, esquecer rasgos de quixotismo. Instalações do Congresso estão guardadas por forças policiais e não há como invadi-las. Greve geral tem duração de poucos dias e irrita os usuários de serviços públicos, uma população de baixa politização. Greve nas universidades desmobiliza os estudantes que, depois de poucos dias, vão todos para a praia. É preciso planejar e executar com competência.
Em segundo lugar, não devemos nos limitar a críticas muito justas ao STF. É preciso que Dilma Rousseff tenha a sua inocência provada e comprovada e para isso será necessário contar com a competência jurídica que seus defensores até agora provaram não ter.
Terceiro: para que não prevaleça aquela solução de compromisso, o “vamos mudar, conservando o que existe”, serão necessárias atitudes claras e firmes: eleições devem ser gerais, e não apenas para a Presidência, estando comprovadas a incompetência e a desonestidade de deputados e senadores. É preciso que se obtenha o compromisso de candidatos de empenho total para convocação de uma assembleia nacional constituinte. Desde logo, finalmente, mas não por último, será necessária uma campanha intensa, para mostrar quem são as figuras lastimáveis que estão atacando o Brasil.
O que não tem cabimento: o imediatismo do “Lula 2018”. Antes disso, há muita água a correr debaixo da ponte. Lula não é o candidato invencível; ele é o ponto de referência, a Estrela Guia.
Maria Fernanda Arrudaé escritora, midiativista e colunista doCorreio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
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