Migração: as feridas emocionais das crianças
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Sexta, 06 de Novembro de 2015 às 09:43, por: CdB
Por Redação, com DW - de Berlim:
Um terço dos refugiados que chegam à Alemanha são crianças e adolescentes. Muitos passaram por violência e necessidades no caminho. Clínica na Alemanha oferece atendimento psicológico gratuito para esses pacientes.
– Eu tinha tanto medo no barco. Eu estava com meu irmão mais novo nos braços, também quando a gente caiu na água. Eu o segurei em meus braços e chorei. Eu rezei a Deus para ir para o paraíso. Eu pensei que fosse morrer. A morte estava tão perto. Farah tem 10 anos e fugiu da Síria junto com a família.
– Durante fuga, tivemos que ficar por cinco meses em um campo de refugiados na Bulgária, que era horrível. Os guardas batiam na gente – lembra Namir, de 12 anos. Sua família cristã vivia em Damasco, na Síria, onde, segundo ele, era perseguida. Ele relata que alguns parentes foram até forçados a se converterem ao Islã. "No caminho para a Alemanha, andamos por uma floresta escura. Lá eu perdi os meus sapatos, e meus pés ficaram sangrando por causa dos galhos e espinhos. Meu pai teve que me carregar e também carregar a minha irmã. Eu passei fome e sede."
Luta pela sobrevivência
– Meu irmão mais novo foi separado de nós durante a fuga. Nós Durante três dias nós não o achamos. Choramos três dias seguidos – diz Walid. Quando finalmente encontraram Nidal, três dias depois, ele estava traumatizado. "Ele chorava e ria ao mesmo tempo. Foi indescritível. Se tivesse acontecido comigo, tudo bem, mas ele é só uma criança", conta Walid, de 17 anos.
Durante a fuga, Walid se tornou adulto. Ele fugiu da Síria com a mãe e dois irmãos. Seu pai teve que ficar para trás. "Minha mãe às vezes chora sem parar. Nós todos temos pesadelos. Vimos combatentes matarem duas pessoas, quando passávamos uma noite dormindo no chão de uma escola. Eu nunca vou esquecer disso. Meus dois irmãos também viram aquilo. Às vezes, Nidal parece querer machucar a si mesmo." Walid diz que o dia mais feliz para ele será quando puder ver seu pai novamente.
Um terço são crianças
As vivências de Farah, Namir e Walid comovem. São experiências de que os pais tentam poupam os filhos. Mas o desespero desses pais é grande. Todos eles têm o desejo de dar a seus filhos um futuro seguro. De acordo com o governo alemão, um terço de todos os refugiados que vêm para a Alemanha são crianças e adolescentes. Organizações de proteção à criança, como a Save the Children, alertam que muitos desses menores passam por experiências cruéis e traumatizantes – mas poucos falam sobre isso.
– É um sofrimento terrível, ouvimos isso todos os dias – diz o psicólogo Andreas Mattenschlager, diretor de um projeto em Ulm que oferece consulta e apoio psicoterapêutico para crianças refugiadas traumatizadas. "Crianças refugiadas, como todas as crianças, querem ter uma sensação de segurança. Na fuga, elas e seus pais conseguiram escapar do sofrimento e da violência, mas a situação delas continua sendo catastrófica", destaca Mattenschlager.
Perda de segurança
– Crianças pequenas experimentam esse sentimento de segurança não em lugares, mas no relacionamento com seus pais – explica o terapeuta familiar. "As crianças vivenciam pais fortes em casa. Já quando seus pais não estão presentes ou ficam para trás durante a fuga, essa segurança é perdida". Em seu trabalho, ele também percebeu que as crianças afetadas sofrem com a alta expectativa dos pais. "Eles deixaram tudo para trás, a fim de dar a seus filhos um futuro melhor", ressalta Mattenschlager. "As crianças, então, têm que desempenhar seus papéis na Alemanha e temem não decepcionar seus pais."
Experiências de guerra, prisão e tortura no país de origem, assim como na fuga de meses para a Europa sobrecarregam muito essas crianças. A situação nos campos de refugiados, a discriminação e o isolamento aumentam a carga psicológica. "Nos abrigos, com 1,5 mil pessoas em um espaço confinado, as famílias passam muitos dias e meses. Este é um grande fardo", diz o médico Volker Mall, diretor no Kinderzentrum München, um centro de atendimento social e pediátrico em Munique.
Terapia pode melhorar integração
Muitos dos menores sofrem de transtornos psicológicos devido à experiência pela qual passaram. "Para melhor integrar as crianças em creches e escolas, é preciso oferecer, de forma rápida e simples, um auxílio psicoterapêutico", acredita Mall. "Nossas estruturas são boas. Temos instalações para lidar com o problema. Mas alguns pedidos de asilo duram anos para serem aprovados", constata Mall. Somente após uma autorização de residência, o seguro de saúde na Alemanha pode cobrir tratamentos psicoterapêuticos.
Andreas Mattenschlager e sua equipe oferecem, uma vez por semana, atendimento gratuito em um centro para refugiados em Ulm. O serviço é financiado pela Igreja. "Mas conseguir ganhar confiança nesse tempo reduzido é um grande desafio", sublinha Andreas Mattenschlager. "As crianças e adolescentes desacompanhados passaram por muitos relacionamentos rompidos. Eles perderam os pais ou, na fuga, tiveram contato com pessoas que posteriormente se perderam. Em primeiro lugar, é importante para eles ter alguém para conversar em quem confiam."
Mas, no início, as famílias ficavam desconfiadas de que o conteúdo das conversas fosse encaminhado para o setor de imigração do governo. "Só depois que a confiança é criada, é que as crianças traumatizadas conseguem falar sobre o que viveram."
Pedidos de asilo
A chanceler federal Angela Merkel e líderes dos partidos que formam a coalizão de governo na Alemanha chegaram a um acordo na quinta-feira sobre uma nova estratégia para lidar com o crescente fluxo de refugiados.
As medidas preveem acelerar o processo de requerimento de asilo com a criação de entre três e cinco centros de registro para imigrantes de países seguros e com poucas chances de conseguir refúgio na Alemanha.
– No geral, avançamos um passo bom e importante – afirmou Merkel, após a reunião, em Berlim, com o vice-chanceler federal e líder do Partido Social Democrata (SPD), Sigmar Gabriel, e o líder da União Social Cristã (CSU), Horst Seehofer.
As novas instalações permitirão a realização em uma semana do processo de avaliação de pedidos de asilo, que atualmente pode se estender por meses.
Os dois primeiros centros de registros especiais serão instalados nas cidades de Bamberg e Manching, na Baviera. A chanceler também anunciou a criação de um documento de identidade unificado para refugiados e requerentes de asilo.
Além de acelerar o processo de análise, o governo alemão determinou que refugiados só terão direito a receber benefícios se permanecerem na região onde estão registrados. Em caso de violações, o direito ao benefício é perdido, e o pedido de asilo é suspendido.
Merkel disse ainda que o processo de deportação será acelerado, e as pessoas serão deportadas diretamente de abrigos de acolhimento. A chanceler reiterou também o combate às causas da crise migratória, a proteção das fronteiras europeias externas e o diálogo com a Turquia, país que acolheu cerca de 2 milhões de refugiados sírios.
Zonas de trânsito
Na coalizão governamental, formada pela União Democrata Cristã (CDU), de Merkel, sua ramificação bávara, a CSU, e o SPD, há divergências sobre como administrar o intenso fluxo de migrantes na Alemanha.
A principal divergência era as controversas "zonas de trânsito". Essas áreas, propostas pela CSU, seriam espaços onde as autoridades poderiam recusar diretamente aqueles que não têm perspectivas de asilo político e impedir a entrada deles na Alemanha.
A proposta, no entanto, foi deixada de lado no encontro. O SPD era o principal opositor da medida. Após a reunião, Gabriel declarou estar feliz de que a solução encontrada não contemple as "zonas de trânsito", chamadas por ele de prisão para refugiados.
O vice-chanceler disse ainda que a conversa entre os parceiros da coalizão foi "difícil", mas construtiva, ressaltando que o objetivo entre eles é unânime: levar ordem à crise de refugiados.