Publicado Quinta, 30 de Outubro de 2014 às 07:54, por: CdB
Relatório defende abordagem focada no tratamento; governo, no entanto, descarta descriminalização
Um relatório do governo da Grã-Bretanha indica que não existe "nenhuma relação óbvia" entre leis mais duras e níveis de consumo de drogas. A pesquisa comparou a legislação do Reino Unido com 13 países, como Portugal, Uruguai e alguns Estados norte-americanos.
O documento afirma que, em Portugal, onde a posse de pequenas quantidades de drogas não resulta em sanções penais, a descriminalização combinada com outras políticas conseguiu reduzir o uso de todas as drogas e de casos de doenças relacionadas a elas, como a infecção pelo HIV.
O secretário do Interior britânico, o liberal democrata Norman Baker, disse que os resultados devem alertar para o fim da "retórica sem sentido" sobre drogas e mudar o foco para o tratamento.
O documento chamou atenção porque há 40 anos o governo britânico defende que apenas punições mais duras podem diminuir o problema do consumo de drogas.
'Histórico'
Depois de examinar uma série de abordagens, da tolerância zero à descriminalização, a pesquisa concluiu que o uso de drogas é influenciado por fatores "mais complexos e cheios de nuances do que somente legislação e sua aplicação."
No entanto, o relatório constatou que houve uma melhora considerável na saúde dos usuários de drogas em Portugal desde que o país passou a lidar com a posse de drogas como uma questão de saúde e não de polícia, em 2001.
As experiências do Uruguai e de Estados norte-americanos como Washington e Colorado foram mencionados, mas segundo o documento ainda é cedo para precisar seus efeitos.
O Ministério do Interior disse que estes resultados não podem ser atribuídos a descriminalização por si só e que o governo do Reino Unido não tem "absolutamente nenhuma intenção de descriminalizar as drogas."
Baker disse que o tratamento do uso de drogas como uma questão de saúde seria muito mais eficaz na minimização de danos.
- Vamos olhar para o que funciona, em vez de presumir que prender as pessoas seja a resposta.
- As pessoas são tratadas como um número, recebem uma multa, recebem uma advertência, são colocadas na prisão e nada disso muda o seu vício em drogas - acrescentou.
- Se estamos interessados em mudar o comportamento das pessoas, então temos de olhar para isso do ponto de vista da saúde - concluiu Baker.
O correspondente de assuntos internos da BBC Danny Shaw afirmou, no entanto, que a visão de Baker estava em desacordo com a posição oficial do Ministério do Interior, que diz que a estratégia de drogas atual está funcionando.
Descriminalização
Danny Kushlick, o fundador do grupo Transform, que tem feito campanha para a regulamentação legal de drogas no Reino Unido por quase 20 anos, disse que o relatório foi um passo importante.
- Pela primeira vez em mais de 40 anos o Ministério do Interior admitiu que a aplicação das leis de drogas duras não significa necessariamente reduzir os níveis de consumo de drogas. Descriminalizar a posse de drogas não aumenta os níveis de uso - afirmou.
No início deste ano o vice-primeiro-ministro britânico Nick Clegg prometeu abolir as penas de prisão para a posse de drogas para uso pessoal.
Clegg desafiou o primeiro-ministro David Cameron a olhar para questões como a descriminalização, apesar de Cameron ter rejeitado anteriormente pedidos de uma comissão que analisasse a questão.
Drogas legais
Um outro relatório do Ministério do Interior pedirá a proibição geral de todas as drogas psicoativas, em uma tentativa de combater algumas drogas legais sintéticas - as chamadas "legal highs".
Atualmente, quando um composto legal passa a ser considerado ilegal, os fabricantes evitam a lei ajustando o composto químico e criando uma nova substância.
Essas drogas sintéticas usam substâncias que produzem efeitos semelhantes ao de drogas proibidas.
O governo vai considerar a legislação adotada na Irlanda há quatro anos, que proíbe a venda de todas as substâncias psicoativas, mas isenta algumas como o álcool e o tabaco.
- A partir de hoje vamos começar a olhar para a possibilidade de uma proibição geral de novas substâncias psicoativas em todo o território do Reino Unido, reprimindo os fornecedores em vez de os usuários - disse Baker.
- Esta abordagem teve um forte impacto sobre a disponibilidade de drogas legais sintéticas quando introduzida na Irlanda, mas temos de saber se ele iria funcionar aqui também.
BrasilA discussão sobre descriminalização das drogas também causa polêmica no Brasil.
Em 2006, entrou em vigor uma nova lei que tinha como objetivo punir os grandes traficantes e acabar com a pena de prisão para usuários. Pela legislação atual, quem é flagrado com drogas para uso pessoal pode ser advertido, ter de prestar serviços comunitários ou cumprir medida sócio-educativa.
A lei, no entanto, não determina a quantidade que caracteriza uso pessoal - quem decide isso é o juiz. Críticos apontam que, com isso, abriu-se um precedente para que usuários fossem condenados por tráfico, o que acabou aumentando a superlotação nas prisões brasileiras.
Tags:
Relacionados
Edição digital
Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.