Ignorância + fanatismo farisaico = neofascismo

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Publicado Sexta, 31 de Julho de 2015 às 09:02, por: CdB
Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro As manifestações de intolerância que vão se fazendo corriqueiras, especialmente em São Paulo, fazem o prenúncio de um neofascismo aterrador. Onde estão as causas disso? Obviamente há uma grande causa: o horror que a imagem de Lula provoca em determinados segmentos da população. Demais genérica, e mesmo que verdadeira, a explicação não satisfaz. Vamos em busca de uma apreensão mais ampla do fenômeno?
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Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras Os fascistas cunharam seu ódio a Lula com a exploração de um defeito físico Coxinhas, em São Paulo, pedem até a volta da ditadura
Primeira situação favorável à radicalização: temos no Brasil um quadro dividido entre dois partidos (e que, no correr do tempo, se corromperam): o PT, nascido um partido “obreiro”, interessado em defender salários melhores para os operários e condições dignas de vida, e que se tornou um grêmio populista ao defender a integração social dos pobres e miseráveis; e o PSDB, que surgiu como protesto à corrupção do velho PMDB, chegando ao poder e tornando-se a representação do neoliberalismo que trazia a 'globalização modernizadora' para o Brasil. A proposta do PT adequa-se à prática democrática de eleições livres, enquanto a do PSDB é um convite à rejeição nas urnas. Comprovada essa rejeição, o partido das elites encontrou, como filão a ser explorado eleitoralmente, as acusações de corrupção desenfreada dos adversários. Certamente, o medo que inspira a figura do 'Metalúrgico de 9 Dedos', mais a corrupção apontada em vários momentos e lugares, elas duas comovem as classes médias mais tradicionais, moralistas e medrosas, que se fazem o bolsão eleitoral de homens como Geraldo Alckmin e Jose Serra. Mas não são os que fizeram as arruaças de 2013, nem as passeatas de 15 de março, na avenida Paulista. Gente extremamente conservadora. Não podem conceber um operário chegando à Presidência. Não odeiam, mas não respeitam o Lula. Acreditam que a Academia Brasileira de Letras representa algo muito grande.
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Os exaltados, que agridem quem use a cor vermelha nas suas roupas ou externe de alguma forma suas preferências pelo PT, são recrutados em quantidade maior entre os que foram e estão submetidos ao processo de formação de imbecis, promovido com afinco pela ditadura e no que se empenharam ardentemente os meios de divulgação, onde a televisão pontifica como a mais eficiente máquina de construção de idiotas. Pesquisa feita com os participantes dos desfiles promovidos nas ruas de São Paulo comprovou a sua completa ignorância, não só política, confundindo alhos e bugalhos, aceitando lorotas toscas que se espalham pelos cantos, agrupando aterrorizados pela revista Veja, junto a eles ficando exibicionistas, fantasiados, mocinhas nuas e todo o tipo de débeis mentais. Essa gente não odeia o Lula, que não conhecem, nãos sabem quem é. Dedicam seu ódio mortal a uma lenda criada pela Globo, com o mesmo ódio que um flamenguista dedica a um vascaíno. Não são politicamente deformados, pois não chegam a ter consciência política mínima. É um típico fenômeno de expressão de massas: irracional, que nos remete, não ao texto de algum sociólogo, mas ao escrito por Freud sobre elas. Menor, mais preocupante, capaz de voos mais extensos, não contente com os passeios pelas ruas, aos gritos e xingamentos, há uma classe média ascendente, a que aderiu aos encantos da corrupção. São executivos de empresas privadas e gestores da coisa pública, empresários de pequenos negócios e grandes negociatas, os que andam por fora da ordem legal, os que não pagam impostos e nem salários dignos aos seus empregados; profissionais liberais que prestam serviços sem recibo. Uma fauna variada, que vai do empreendedor que explora o lenocínio de luxo em São Paulo, aos que agridem com palavras cínicas um ex-ministro. Gente habituada a trabalhar com vários RGs, papéis falsos, gente como os que fazem a máfia do Mercadão e da rua Florêncio de Abreu, frequentadores dominicais do Clube Paulistano, onde a pureza branca somente existe no uniforme das babás que servem às crianças e, eventualmente, também aos pais. Um tipo de desonestidade que veio crescendo, inaugurou-se aos tempos de Brasília, fortaleceu-se na ditadura e ganhou maioridade com os oito anos de FHC. Esse é o segmento que não tem medo, que pode comprar – e compra – a autoridade e que é fanfarrão. Essas figuras só desaparecerão na medida em que o segmento social onde se instalaram seja reincorporado à ordem de uma sociedade ética. E por isso mesmo, alimentam ódio mortal pelo PT, um ódio que nasceu junto com as primeiras administrações petistas. De um gestor municipal ligado a Paulo Salim ouvia-se a exclamação: “aquela vaca (Luiza Erundina) era 100% honesta”. São os gentis moços e moças que dirigem automóveis cada vez maiores e mais altos e que estacionam, em ato de autocrítica, nas vagas destinadas a deficientes.
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Esses são os que não aceitam a ascensão da classe operária e a integração social dos milhões que viviam à margem da sociedade. O “oportunismo” liga essa gente à típica burguesia nacional, aquela que concebe o lucro exatamente como somente é possível através de pequenas, médias e grandes espertezas, explorando seus funcionários, comprando e vendendo sem nota, subornando e se deixando subornar. A burguesia brasileira, passando muito rapidamente pelo capitalismo industrial, logo tornou-se rentista, acomodada à entrega da indústria aos enormes grupos multinacionais, negando-se ao risco e não tendo conseguido transformar o patrimônio em capital. Ainda que por caminhos diferentes, são grupos sociais formados por gente enamorada do próprio umbigo. O “lulismo” é, para eles, o desafio da igualdade social, a defesa dos direitos dos assalariados, como se “essa gente” pudesse ter direitos. Estão convencidos de que o Brasil não exporta e não fica rico por causa de um fantasma, o “custo brasil”, causado pelos salários que são obrigados a pagar, os “direitos trabalhistas” excessivos, com férias, descanso semanal. 13°salário, Fundo de Garantia e INSS. Por isso mesmo não suportam a ideia de um Lula na Presidência, da mesma forma que seus pais não suportaram Vargas, o inventor de tudo isso. Lula surge, ele queira ou não, saiba ou não, como o herdeiro daquele aventureiro vindo da fronteira, como Júlio de Mesquita Filho referia-se a Getúlio Vargas. São Paulo é, no momento, a sede das manifestações neofascistas. O que se tem visto pelas ruas e logradouros de São Paulo é coerente em tudo com o passado do Estado que, em 1932, levantou-se contra Vargas numa luta armada da qual saiu derrotado. Os barões do café perderam definitivamente as rédeas com as quais conduziram toda a Primeira República. E se foram esses barões que geraram a economia do ciclo do café, construindo ferrovias e abrindo bancos, também foram os que não souberam ser industriais, deixando esse espaço aos imigrantes. Manteve-se uma empáfia, ostentada pela aristocracia paulistana, avenida onde, mais tarde, erigiu-se a sede da FIESP, espaço em que, simbolicamente, a aristocracia paulista sofreu a segunda derrota, essa imposta por Lula, com as greves dos metalúrgicos lideradas por ele. Os empresários, líderes da FIESP, não tolerando sentar-se à mesa de negociações para discutir com “gente de macacão”, nascida para ouvir ordens, assistiram à vitória de Lula e seus comandados. Empresários e empresas que subsidiaram a ditadura não têm capacidade para dialogar com operários, sempre entendidos como “os meus empregados”, nem competência para aceitar democraticamente um governo petista. Enfim, a burguesia paulista, depois de ter nascido e dominado a República Velha, tendo perdido a hegemonia com o período Vargas, retomou-a durante a ditadura, orientada a partir daquela FIESP erguida com luxo e riqueza na grande avenida, consolidando-a durante os oito anos de FHC. Não podendo justificar sua rejeição ao PT, externando seus interesses e vontades, essa burguesia e mais seus satélites assumem passionalmente o ódio, emoção pura, a Lula. O ódio que motiva alguns políticos, como Aécio Neves e mesmo FHC, em parte decorre da incapacidade de aceitação de uma rejeição natural de seus nomes pelo povo. Por certo, há a sede de poder, a vontade de exercê-lo em proveito próprio, mas há o medo imenso. FHC e seu séquito temem – e muito – uma continuidade de exercício do poder pelo Partido dos Trabalhadores. Até agora, por força de algo que se assemelha a um pacto de sangue, Lula apenas se referiu a uma herança maldita, sem explica-la. Se um dia fizer isso estará apontando FHC à execração definitiva e definindo a extinção do PSDB, pondo ponto final a carreiras indignas de muitos nomes políticos do primeiro escalão. O medo também move um tipo de imprensa “marrom”, desenvolvida durante a ditadura, e que domina os meios de informação no país, contrariando a pequena legislação reguladora existente. A continuidade do PT no Poder quase que inevitavelmente colocará ponto final a um monopólio catastrófico, que teve exatamente a força suficiente para idiotizar gerações. A imprensa e os políticos rejeitados são a grande corrente que luta para dar ao povo ignorância e fanatismo, conduzindo-o ao neofascismo que lhe daria o poder sem contestações. Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
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