Que papo esquisito pra se ter de manhã, acordando...Então minha amiga explicou que eu tinha que recadastrá-los imediatamente, já que os cadastros originais dos túmulos tinham sido roubados há algum tempo por sua administração, ( outra espécie mais antiga de Mensalões e Lava-jatos) e que eles valiam um bom dinheiro, pra se deixar pra lá, já que a vida estava tão difícil.
Não sabia nada de cadastros de tumbas, que foram todas compradas pela família do meu avô, em mil oitocentos e pouco.
Quando era criança ia visita-los com minha irmã e babá, passeávamos pelo São João Batista, olhávamos o jazigo da Carmem Miranda, mas jamais pensamos em registros e números, pois éramos crianças e não entendíamos nada.
Minha amiga então explicou que se eu quisesse vende-los valeriam um bom dinheiro, pois possuíam belas estátuas, e eram perto da rua, como apartamentos na Av: Vieira Souto dando pro mar.
Liguei então pra despachantes e advogados amigos, eles explicaram que o recadastramento era obrigatório e tinha que ser imediato.
Fiquei pensando como é que passa pelas cabeças das pessoas, roubarem túmulos, num lugar onde todos se benzem, rezam pelos mortos, tem religião, apreciam a arte local, olham as fotos das pessoas famosas enterradas ali. Será que ninguém têm medo de roubar fantasmas, prejudicar almas familiares, sem pensar um minuto no outro tentando esconder a verdade num poço cada vez mais fundo onde foi parar o Brasil, que, felizmente, acaba sempre por transbordar anos depois, em delações premiadas, mais valiosas que qualquer estátua esculpida em cemitério.
-Ué, disse minha amiga. num país onde se mata pai, mãe, avô, tia, filho, sobrinho, vai-se ter medo de um reles fantasmazinho?.
Então resolvi ir com minha amiga de outros tempos até o cemitério , fazer o tal recadastramento das tumbas aconselhada por ela, (uma pessoa que quando jovem era absolutamente honesta) hoje tem uma turma meio estranha, que fuma e bebe muito e faz cópias de quadros famosos que vendem como verdadeiros Picassos ou Van Goghs.
Então pegamos um táxi, ela reconheceu o motorista de alguma gangue amiga, olhou pro seu carro e perguntou:
-Então,cara, tudo joia nesse carro novo?
Ao que o motorista respondeu, meio risonho, tapando a boca com a mão e falando baixo pra eu não ouvir.
Não, amiga, Tem cocaína também.
Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista. Participou de mais de 50 filmes entre os quais – Macunaima, Menino de Engenho, Gente Fina é outra Coisa – 29 peças teatrais destacando-se- Se Correr o Bicho pega se ficar o bicho come – Trair e coçar é só começar- O Avarento. Na televisão trabalhou na Rede Globo em cerca de 29 novelas entre as quais – Dancing Days – Anos Dourados – Gabriela e recentemente em – Aquele Beijo. Como cronista escreveu durante 26 anos no Jornal do Brasil e algum tempo no Estado de São Paulo. Escreveu 5 livros sendo 2 de crônicas – O Quebra Cabeça e a Bailarina Agradece-, um romance, Alem da arrebentação, a biografia de Antonio Bivar e a sua autobiografia,- Quem não ouve o seu papai um dia balança e cai. Como redatora escreveu para o Chico Anisio Show.Como roteirista fez recentemente o filme – Vendo ou Alugo – vencedor de mais de 20 premios em festivais no Brasil.
Direto da Redação, editado pelo jornalista Rui Martins
Rio de Janeiro, Quinta, 18 de Abril de 2024
Estão roubando também túmulos
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Publicado Sexta, 28 de Agosto de 2015 às 20:00, por: CdB
Por Maria Lúcia Dahl, do Rio de Janeiro:
Acordei esta manhã com a pergunta estranha , de uma amiga, ao telefone, que não via há séculos, querendo saber se eu tinha túmulos, quantos e aonde.
Assustada , com o inusitado da questão, perguntei por que ela estava interessada nisso, achando até que alguém tinha morrido, assim à noite e precisasse de um jazigo urgente.
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