Calais: crise expõe dificuldade da Europa em lidar com problema migratório

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Publicado Terça, 04 de Agosto de 2015 às 07:58, por: CdB
Por Redação, com ABr - de Londres O elevado número de imigrantes que tentam chegar ao Reino Unido pelo Eurotúnel, que ganhou destaque na imprensa internacional desde a semana passada, voltou a expor a dificuldade da Europa em lidar com a grave crise migratória. Nos dias de pico, foram registradas mais de 2 mil tentativas de atravessar o túnel que liga a França ao território britânico sob o Canal da Mancha.
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A União Europeia planejava oferecer asilo ainda este ano para 40 mil migrantes
  Do porto da cidade francesa de Calais, por onde passa o Eurotúnel, é possível avistar, do outro lado, a britânica Dover. A proximidade com o Reino Unido tem atraído, desde o fim da década de 1990, grupos de imigrantes ilegais que buscam um futuro melhor em terras britânicas. Muitos têm parentes ou amigos que conseguiram completar a travessia ilegalmente e se estabelecer na Grã-Bretanha, ampliando a esperança de quem ainda sonha em chegar do outro lado. Em 2002, um campo de refugiados que abrigava quase 2 mil pessoas em Sangatte, na região administrativa de Pas-de-Calais, foi fechado após violentas manifestações e tentativas em massa de cruzar a fronteira, chamando a atenção da mídia internacional. As medidas de reforço da segurança, adotadas por autoridades francesas e britânicas na última década, não foram suficientes para resolver a questão. O aumento do fluxo migratório para a Europa este ano,  mais de 150 mil chegaram ao continente pelo Mar Mediterrâneo desde janeiro e quase 2 mil morreram durante a travessia, segundo a Organização Internacional para as Migrações, teve reflexos em Calais. Migrantes que alcançam o continente pelos países do Sul, entre eles, a Itália e a Grécia,  seguem viagem por terra até Calais, acreditando que conseguirão atravessar o túnel. Muitos são atraídos por traficantes de pessoas que atuam na região. No acampamento montado nas proximidades do porto de Calais, apelidado de "A Floresta”, o número de imigrantes não para de crescer. Hoje, no local, vivem mais de 3 mil pessoas em condições precárias, inclusive mulheres e crianças. Eles sobrevivem da ajuda que recebem de instituições de caridade e de voluntários. No local, até uma pequena igreja foi construída, onde Mima, de 29 anos, que veio da Etiópia, costuma ir para rezar. O jovem, que estudou jornalismo e tecnologia da informação em seu país de origem, chegou à Europa por meio do Mar Mediterrâneo, em uma perigosa travessia que levou à morte vários de seus amigos. “Eu agradeço a Jesus pois salvou nossas vidas. Não estamos mortos. Outras pessoas, nossos amigos, estão mortos”, conta. Mima é um dos que acredita que conseguirá um dia chegar ao Reino Unido. A maioria dos imigrantes que vivem no acampamento vem da Eritreia, do Sudão, do Afeganistão, de Serra Leoa e da Etiópia. Todos os dias, eles arriscam a vida tentando furar o forte esquema de segurança e chegar ao túnel. Quando conseguem, atiram-se nos trilhos e tentam se agarrar a trens em movimento ou buscam se esconder em algum veículo e embarcar nos trens de carga. Nos últimos dois meses, nove imigrantes morreram enquanto tentavam cruzar a fronteira. De acordo com informações do Eurotúnel, desde janeiro, 37 mil tentativas foram interceptadas. Os ministros do Interior da França, Bernard Cazeneuve, e da Grã-Bretanha, Theresa May, defenderam, no domingo, em declaração conjunta, ser prioridade acabar com a forte pressão migratória em Calais. Para os ministros, a resposta perene para o problema está na redução do número de pessoas que deixam a África fugindo da miséria. Os dois países anunciaram reforço policial, a construção de mais cercas, o emprego de cães farejadores e mais 10 milhões de euros para aumentar a segurança ao longo do Eurotúnel. Na avaliação do professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, Kai Enno Lehmann, não há solução simples para a questão migratória. “Esse problema dos imigrantes na entrada do túnel que liga a França à Inglaterra é recorrente e tem muitos anos. O fenômeno tem que ser visto dentro do contexto de uma onda de migração que vem do Oriente Médio e do Norte da África e que piorou bastante este ano”, disse. Para o professor, existe uma incapacidade de os países europeus em lidar com essa imigração em massa. “Há uma impotência enorme da Europa para enfrentar essa crise humanitária. O que estamos testemunhando é o colapso da política europeia de imigração. Estamos testemunhando também discussões, em um tom até agressivo, entre os países europeus sobre o que fazer. Quem tem os maiores custos são os países do Sul da Europa que estão passando por uma crise econômica.” - A União Europeia está tentando achar, há algum tempo, um sistema de cotas para distribuição desses refugiados e não está conseguindo. Enquanto isso, alguns governos estão construindo muros (para barrar imigrantes), como na Hungria - acrescentou Lehmann. A União Europeia planejava oferecer asilo ainda este ano para 40 mil migrantes, mas em reunião entre os ministros do Interior e da Justiça dos países-membros do bloco, no último dia 20, as nações se comprometeram a absorver 32 mil pessoas. De acordo com o professor, a reação da França e da Inglaterra de maior repressão policial aos imigrantes era esperada. “Internamente, em termos políticos, imigração é uma tema muito complicado. A opinião pública é contra mais imigração, principalmente de pobres, porque essas pessoas no início vão gerar custos e não riqueza. O mais humanitário seria tratá-las como refugiados em busca de uma vida melhor em vez de imigrantes ilegais, criminosos. Mas não existe uma solução fácil porque não é possível deixar as pessoas morrerem, mas também não é possível abrigar todo mundo.” O professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Estevão Rezende Martins acredita que a solução é de longo prazo e a situação pode começar a mudar com a pacificação dos países de origem dos imigrantes.  
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