Cadê o Brasil?

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Publicado Domingo, 02 de Agosto de 2015 às 12:00, por: CdB
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A força atual do Brasil no Exterior vem do BRICS
Por Tarcísio Lage, de Hilversum Depois de dois meses perambulando pelo Brasil, voltei ao meu recanto em Hilversum, na Holanda, de onde costumo observar o mundo com o binóculo da internet. Ainda com a cabeça zoando por conta do jet lag liguei a televisão para ouvir o noticiário das 20 horas no canal 1 da televisão pública. A notícia de destaque foi a descoberta de um pequeno arsenal (metralhadoras, fuzis, pistolas) na casa de traficantes de armas. No noticiário internacional, um tiquinho da Grécia, mas sobre o Brasil nem um pingo, como de resto nos jornais da Holanda.. Em outros países europeus mais chegados ao Brasil, como Portugal e Espanha, e nos maiores – Alemanha, França e Itália – a imprensa dedica bem mais espaço à crise brasileira, mas raramente apresenta o clima de catástrofe e de fim de mundo estampado diariamente nas manchetes dos jornalões, nos editoriais, artigos e, mais ainda, no furor dos telejornais. Esse quase desinteresse decorre, provavelmente, do desprezo  que a “comunidade Internacional” (termo que começou a ser empregado com furor pela ex-Secretária de Estado Madeleine Albrigt no fim do século passado) dedica ao Sul do Planeta. Do ponto de vista estratégico, o Brasil é ainda visto como um elefante branco: não tem poder nuclear e as Forças Armadas mal dão para o gasto numa região relativamente de poucos conflitos . Durante o governo Lula, quando se tentou uma política externa mais atuante, não foram poucas as críticas, para não dizer esculhambações, internas e externas, do tipo “vira-lata se metendo em briga de cachorro grande”. Não esqueçamos da arrogância do porta-voz do Ministério do Exterior de Israel, Yigal Palmor, reagindo a uma nota do Itamaraty condenando o excesso de força empregada na Faixa de Gaza no ano passado. Disse ele ao Jerusalém Post: “Essa é uma demonstração lamentável por que o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua a ser um anão diplomático.” Evidetemente, o Sr. Palmor está redondamente enganado. Uma das razões de o Brasil ser um anão diplomático é o fato de não ter, como Israel, de 100 a 300 bombas atômicas estocadas. O Instituto de Estudos Estratégicos, com sede em Londres, estima que o país tenha cerca de 200 misseis, de curto e longo alcance, equipados com ogivas nucleares. O Brasil, ainda que seja a sétima economia do mundo, signatário do Tratado de não Proliferação de Armas Nucleares, continuou por muito tempo completamente desprezado pela “comunidade internacional”. Faço questão das aspas e preciso, aqui, abrir um parágrafo. Pode parecer que estejamos defendendo o reforço das Forças Armadas e até mesmo a retomada do programa nuclear, o cavalo de Troia deixado pela ditadura militar. Longe, muito longe disso. Desde Hiroshima e Nagasaki, o uso da bomba tornou-se inoperante. Durante a guerra fria, ela foi utilizada como deterrant, palavra inglesa que podemos traduzir por intimidação. Só serve para isso, nada mais. Intimidar. Imagine Israel despejando uma de suas ogivas nucleares sobre Teerã. De fato não escaparia nem um aiatolá, mas em compensação todo o Oriente Médio seria incendiado. E não em sentido figurado. Então, não é com a bomba, como sonhavam alguns militares nos tempos da ditadura, que o Brasil vai se sobressair no cenário internacional, marcado pelas intervenções militares dos EUA tendo como apoio a “comunidade internacional”. Foi o caso da intervenção durante o desmebramento da antiga Iugoslávia e, já nesse século, da vergonhosa invasão do Iraque, sem o aval da Conselho de Segurança da ONU e baseada na mentira de que Sadam Hussein estava no caminho de obter um vasto arsenal nuclear. Mentira. Ficou provado que as instalações “nucleares” do país estavam em ruinas, cobertas de bosta de pássaros, depois de 12 anos de bombardeios na chamada faixa de exclusão, durante os governos de Bush pai e Clinton. Mais uma vez, na falta do aval do Conselho de Segurança, os EUA fizeram uso da “comunidade internacional” para formar uma aliança com Tony Blair e outros líderes vassalos, sobretudo europeus. Em resumo: os EUA chutaram o Conselho de Segurança para a lata de lixo da História e deram um sopro de vida a essa coisa chamada de “comunidade internacional”, da qual o Brasil até o governo Lula esteve completamente de fora. Ela, “a comunidade internacional” se resume aos países ricos e bem armados da linha de frente do capitalismo internacional. O Conselho de Segurança, o clube da bomba por abrigar as cinco nações que detinham o monopólio das armas nucleares, já não servia mais nos novos arranjos com o fim da guerra fria. É nessa conjuntura que o Brasil tenta, durante o governo Lula, quiçá pela primeira vez, meter o bedelho na briga dos cachorros grandes da “comunidade internacional”. Mas o Brasil não entra só nessa briga, mas com o respaldo dos países dos BRICS, sendo dois eles detentores de arsenais nucleares que, juntos, quase se comparam aos dos Estados Unidos. Vale enfatizar que o obsoleto Conselho de Segurança fica muito bem na lata de lixo. O confronto doravante vai ser cada vez mais intenso entre a “comunidade internacional” e os “BRICS” na linha de frente do “Sul” do Planeta, tão menosprezado. O pouco caso de Israel pelo Brasil pode ser um engano estratégico. Afinal, ainda que seja um cão de pouco porte (do ponto de vista de armamentos), faz parte de uma matilha que abriga a segunda (ou talvez já a primeira) potência econômica do mundo junto com a herdeira do arsenal nuclear da antiga União Soviética. Pode até ser que mesmo os holandeses, enfurnados com seus pequenos problemas, prestem mais atenção no Brasil. Há, contudo, um grande perigo: que os países dos BRICS acabem fascinados pelo canto da sereia capitalista e formem com a “comunidade internacional” uma aliança maldita para continuar explorando ainda mais as nações pobres do Planeta. Tarcísio Lage, jornalista, escritor, começou na Última Hora de Belo Horizonte no início dos anos 60. Com o golpe de 1964 teve de deixar a cidade e o curso de Economia na UFMG. Até 1969, quando foi condenado pela Injustiça Militar, trabalhou em várias redações do Rio e São Paulo. Participou da tentativa de renovação da revista O Cruzeiro e da reabertura da Folha de São Paulo, em 1968. Exilado no Chile no final de 1969, trabalhou, em seguida, em três emissoras internacionais: BBC de Londres, Rádio Suiça, em Berna, e Rádio Nederland, em Hilversum, na Holanda, onde vive atualmente. As Tranças do Poder é seu último livro. Direto da Redação é um fórum, editado pelo jornalista e escritor Rui Martins  
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