Brasil: um país à espera de Ulysses

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Publicado Domingo, 08 de Março de 2015 às 12:00, por: CdB
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Colunista relembra a figura de Ulysses Guimarães - o Brasil precisa de uma oposição com grandeza e de um governo que ouça as ruas
O Brasil é um país peculiar. Neste país, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ambos do PMDB, estão na lista de envolvidos com a corrupção revelada pela operação Lava Jato, à base de delações premiadas. Neste país, há gente querendo o impeachment da presidente da República, cujo nome não aparece envolvido em corrupção nenhuma. Neste mesmo país, o único presidente derrubado por Impeachment, Fernando Collor, que deixou o poder há mais de 20 anos, aparece agora, com Cunha e Calheiros, na lista dos 54 nomes que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, determina que sejam investigados devido à Lava Jato. Ironia das ironias, o líder dos caras pintadas, Lindbergh Farias (PT), também está lá. É uma lista para todos os gostos. E desgostos. A pergunta que não quer calar é: com tal cenário, os insatisfeitos botarão quem no lugar de Dilma? O vice que, ao contrário do que acontecia em décadas atrás, não é mais eleito por votos próprios? Não. Há quem sonhe com o segundo colocado nas eleições. O tucano Aécio Neves foi citado em delação da Lava Jato, tendo o pedido de investigação arquivado, está envolvido em outras acusações gravíssimas e vê seu vice e substituto no governo de Minas, Antonio Anastasia (PSDB), aparecer na lista. Quem então? Ah, claro, a grande ideia é trazer de volta os militares. Figueiredo, por exemplo, adorava cavalos. E não é barato sustentar tais animais. Uma pesquisa cuidadosa e logo se descobre que, ao morrer, ele deixou para a família um patrimônio milionário. Quanto aos outros generais-ditadores pouco se sabe sobre suas posses. E isso é o que muitos parecem querer. Que voltemos aos tempos em que pouco se sabia. Sabe-se, porém, que os militares permitiam que a corrupção rolasse solta nas empreiteiras. As mesmas cujos donos hoje estão presos. Sabe-se também que Paulo Maluf nunca conheceu os porões da ditadura. Será que ele não roubava naquela época? Outra pergunta não quer calar: quem o Brasil acha que estará lá em Brasília agindo de forma diferente da que o brasileiro comum age? Quem estará lá que não pague uma cervejinha ao guarda, que não sonegue imposto, que não arrume um jeitinho de pagar para ter vantagens? Que se prendam os corruptos! Porque é caso de polícia. Mas que não se esperem soluções milagrosas que não valorizem a política no cotidiano. Em Portugal, há uma lenda que diz que os portugueses estão eternamente à espera da volta de Dom Sebastião, guerreiro desaparecido há séculos. Ao voltar, seria o redentor da pátria. Nós brasileiros estamos à espera de quem para nos redimirmos de nossos próprios erros? Em nossa história recente, o único político de grande envergadura que desapareceu sem nunca se encontrar o corpo foi Ulysses Guimarães. O velho timoneiro da democracia sumiu no mar levando consigo um conservadorismo lúcido que faz falta nos dias de hoje. Muitos desejavam vê-lo na presidência mais do que a Tancredo. Não se pode esquecer que Ulysses participou da marcha golpista de 64. Mas tentou se redimir. Tal como Juscelino Kubitschek, que certa vez afirmou – “não tenho compromisso com o erro” – Ulysses também não parecia ter. Conhecia a arte de voltar atrás quando percebia que causas maiores estavam em jogo. Foi um gigante no comando da Câmara dos Deputados. Câmara que hoje se mostra tão apequenada. O que o Brasil precisa, portanto, e com urgência, é de uma oposição com grandeza. E de um governo que ouça o clamor das ruas. Mais do que um herói que salve a pátria – papel que só poderia caber ao Ulysses da Odisséia de Homero, mas jamais caberia ao nosso Ulysses humano e cheio de erros – o Brasil está precisando hoje da humildade dos que não se comprometem com o erro. Ana Helena Tavaresjornalista, conhecida por seu site de jornalismo político Quem tem medo da democracia?, com artigos publicados no Observatório da Imprensa e na extinta revista eletrônica Médio Paraíba. Foi assessora de imprensa e repórter dos Sindicatos dos Policiais Civis e dos Vigilantes. Universitária, entrevistou numerosas pessoas que resistiram à ditadura e seus relatos (alguns reproduzidos na Carta Capital e Brasil de Fato) serão publicados em livro. Direto da Redação é um fórum de debates com jornalistas de opiniões diferentes, editado pelo jornalista Rui Martins.
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