Transporte clandestino de portugueses na Europa
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Sexta, 01 de Abril de 2016 às 03:24, por: CdB
Por Rui Martins, de Genebra:
Ignorados pelas autoridades, furgões circulam velozmente pelas autoestradas europeiasp durante as noites, transportando imigrantes portugueses da Suíça, França, Holanda, Bélgica, Alemanha para seus povoados de origem. Só da Suíça, partem centenas todas as semanas com chapas registradas em Portugal. No caso de controle na estrada ou nas fronteiras, seus motoristas declaram os passageiros como seus familiares ou amigos em viagem de turismo.
Foi um desses furgões, carinhosamente chamados de carrinhas pelos portugueses, que sofreu um choque frontal com um caminhão, no qual morreram seus doze passageiros. O motorista e o proprietário do veículo estão detidos na França, onde ocorreu o acidente, por não observarem as regras mais elementares de segurança para os passageiros. Além de estarem praticando, ao que tudo indica, um tipo de transporte clandestino ou o que se poderia chamar de uma espécie de tráfico de passageiros.
Os passageiros das chamadas carrinhas não são constrangidos a esse tipo de transporte, mas optam pelos riscos decorrentes em troca de algumas vantagens. A principal seria a de poderem transportar pesadas malas com mercadorias, tanto na ida como na volta, possibilidade impossível nos voos baratos low cost. Outra vantagem seria a de serem levados pelas carrinhas à porta de seus destinos, sem o tempo perdido nos aeroportos e os sem custos de transbordo do aeroporto para seus pequenos povoados. Essas duas vantagens compensariam o longo trajeto de vinte horas, no mínimo.
Embora esse tipo de transporte seja bastante utilizado pelos imigrantes portugueses, inexistem estatísticas oficiais a respeito. No consulado português de Berna, que engloba sob sua jurisdição os portugueses de Friburgo, de onde partiram nove das vítimas no acidente da carrinha com o caminhão, se desconhece o número desses furgões ou carrinhas, mesmo porque nenhuma das vítimas, embora com permanência legal na Suíça, ali fizera seu registro consular.
Sem estatísticas oficiais, uma avaliação do número de carrinhas existentes só pode ser obtida nas associações, clubes recreativos ou restaurantes portugueses, lugares onde os proprietários desses furgões distribuem discretamente sua publicidade em tipos de cartões de visitas com seus telefones, mas geralmente em endereços, pois, na verdade, essas carrinhas são, na maioria, clandestinas. As empresas oficiais de transportes protestam, mas até agora sem resultados, pois seus concorrentes clandestinos não pagam taxas sobre as passagens vendidas e nem os impostos devidos por uma transportadora.
E para economizarem nos pedágios franceses alguns desses transportadores clandestinos, como conta o responsável pela Associação e Centro Recreativo de Friburgo, que preferiu ficar no anonimato, utilizam furgões menores, de seis lugares, nos quais adaptam mais alguns assentos. Geralmente essas melhor utilização do espaço, feita em garagens clandestinas, consiste em juntar mais três lugares, entretanto, os abusos podem levar a se dobrar o número de passageiros, como ocorreu com a carrinha acidentada, na qual viajavam doze pessoas.
Existe também outra razão para esses transportadores preferirem furgões menores, em lugar dos furgões vindos da fábrica com mais de nove lugares, que entram na categoria de micro-ônibus. Para os furgões maiores é obrigatório um registro comercial como empresa transportadora. O motorista deve ser profissional com autorização para dirigir ônibus, categoria D, e ser maior de 21 anos. Utilizando furgões menores, considerados familiares, as transportadoras clandestinas evitam essas despesas.
Esses abusos que envolvem centenas de furgões, « são mais de quinhentas carrinhas », diz nosso informante de Friburgo, só são possíveis por existirem falhas nas fiscalizações e nas competências dos serviços relacionados com a emigração portuguesa. A adida social do Consulado de Berna, Maria Ester Vargas, explica não caber aos consulados a fiscalização dos meios de transportes utilizados pelos portugueses emigrantes. Esse tipo de fiscalização também não é da alçada da polícia suíça de Friburgo, chefiada por Gallus Risse, pois os veículos têm chapa portuguesa. Nas fronteiras praticamente não existe mais contrôle, com o Espaço de Schengen, criando-se assim um vazio do qual se exime inclusive o Secretário das Comunidades portuguesas, José Luís Carneiro ao afirmar não ser responsável pela fiscalização dos portugueses nas estradas estrangeiras.
Enfim, o proprietário do furgão ou carrinha acidentado, Américo Pinto, detido na França e possuidor de outros veículos semelhantes e clandestinos, teria cometido outro delito grave : o furgão acidentado, além de estar sobrelotado com treze pessoas incluindo-se o motorista, estaria usando veículos mais apropriados para carga do que para o transporte de pessoas, como mostram as fotos colhidas no local do acidente, pois o furgão acidentado não tem os vidros ou janelas laterais próprios de carros de passageiros.
Por Rui Martins, corrrespondente em Genebra.